41c- Ricos... só aos olhos de Deus!

(Ciclo C – Domingo 18 do Tempo Comum)  

«RICOS… SÓ AOS OLHOS DE DEUS!» 

(«Catorze versos dizem que é “soneto”»…). Já agora, vejamos “este”, que vem de molde para a nossa reflexão de hoje, ainda que não pertença a nenhum «poeta de fama». [Conservei-o, comigo como uma jóia de “criação poética”, da autoria de um amigo (Ir. F. Iglésias), e para evitar também que ficasse apagado na névoa inconsistente, mas impiedosa, do tempo …]. Então, vejamos se, para nós, «O “outro” é um tesouro a descobrir»:

«O azar tira, por vezes do seu sono,

tesouros desde há muito soterrados;

sem dúvida, em segredos sepultados,

medrou por cima deles o abandono.

Esvaída a memória do seu dono,

não seria o melhor dos teus achados?

Viverias, talvez, sem mais cuidados,

como um rei, orgulhoso do seu trono…

Põe de parte, porém, as incertezas;

tens no “outro” um tesouro a céu aberto,

e podes, se quiseres, descobri-lo.

Se tropeças no “Outro”, quando rezas,

e vês irmão no “outro” que está perto,

acharás que é bem fácil consegui-lo».

Bom. Perante aquela outra afirmação, indiscutível, de Jesus de Nazaré (“Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração”/Lc 12,34) deveria, cada um de nós, interrogar-se: «Onde é que “está” o meu coração?»…

Então, para iluminar as nossas respostas, temos à nossa frente a Palavra, na Eucaristia de hoje. E o primeiro que salta à vista é o contraste evidente entre o que constitui comummente o “objeto” (tesouro) do coração humano – “naquela” sociedade e na “nossa”! – e o que, realmente, deveria ser o “tesouro” (alvo) desse coração.

Acerca do primeiro, alerta-nos – com uma certa desilusão irónica – o autor do Eclesiastes (Qohélet): “Vaidade das vaidades – diz Coelet – vaidade das vaidades: tudo é vaidade!”. E continua especificando – pormenorizadamente, nesses dois primeiros capítulos – uma série de “vaidades”…; para concluir, em cada caso, sempre com a mesma lengalenga: “Também isto é vaidade!”. (Ecl [Qo] c.1-2 / 1ª L.).

Mas o que é, afinal, “vaidade” («matayote», em grego)? Iremos tomar aqui o significado do termo (entre os vários que tem) que o livro sagrado lhe atribui: «Coisas fúteis, ocas, vãs, vazias… que, em definitivo, acabam em nada». O próprio texto sagrado, ao concluir o segundo capítulo, deixa-nos a sua peculiar definição: “Também isto é ilusão e correr atrás do vento” (Ecl 2, 26). Aliás, “ilusão” e “desilusão”!

Segundo isto, quais outras “vaidades” nos apontam as Leituras de hoje? Bom, S. Paulo, por sua vez, escreve aos cristãos de Colossas: “Portanto, fazei morrer o que em vós é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza, que é uma idolatria. Não mintais uns aos outros, vós que vos despojastes do homem velho…”.(Cl 3 / 2ª L.). E vemos como Paulo resume todas as “vaidades” na expressão «homem velho», que, como é evidente, ao “envelhecer” naturalmente, acaba por morrer!

No Evangelho, Jesus, após falar em “heranças e partilhas”, alerta do perigo desta classe de “vaidades”: “«Vede bem, guardai-vos de toda a ganância: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens» (Lc 12 / 3ª L.). E para ilustrar este assertivo “conselho”, conta-lhes uma parábola… Parábola que é, certamente, um monumento à “inutilidade” de todas as «vaidades»!

Mas, é evidente, devemos acabar com a outra face da moeda, a realidade positiva, isto é, o tal “tesouro” onde todo o ser humano teria de “pôr o seu coração”!… E antes de mais, este ser humano deve – logo que se despojar do “homem velho”revestir-se do “homem novo”, consoante a linguajem de Paulo: “Irmãos… aspirai e afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra… Revesti-vos do homem novo, que, para alcançar a verdadeira ciência, se vai renovando à imagem do seu Criador…”. (Cl 3 / 2ª L.). Ou, então, por outras palavras, que são as conclusivas da tal parábola de Jesus no Evangelho: “Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus»” (Lc 12 / 3ª L.). Então, “a outra” será a única “riqueza” (“tesouro”) que a todos nos interessa!

 

Senhor, tens sido sempre o nosso refúgio,

e fortaleza, de geração em geração…

ainda que nós tenhamos posto, tantas vezes,

a nossa inteligência e o nosso coração

em muita coisa que é vaidade e pura ilusão…

Claro que o homem fica reduzido ao pó da terra

sempre que ele põe o seu coração “em pó e em nada”

e vive na ilusão inconsciente e maquinal

de quem «corre apenas atrás do vento»

– que isso são todos os bens efémeros e caducos –

e acaba “de mãos vazias e de braços a abanar”…

Longe de nós, ó Deus e Pai nosso,

pôr o nosso coração em “tesouros frágeis”

que, afinal, só trazem amargura e desilusão!

Ensina-nos Tu, Senhor, a contar os nossos dias

para chegarmos à real sabedoria do coração,

a que nos faz abandonar “o homem velho”,

para nos revestir, em Cristo Jesus, do “homem novo”,

que põe o seu coração só nos “tesouros de Deus”…

Queremos percorrer este Caminho de Jesus,

onde Tu, ó Pai, confirmas a obra das nossas mãos!

            [ do Salmo Responsorial / 89 (90) ]