(Ciclo C – Solenidade do CORPO e SANGUE de CRISTO)
EM «CARNE» E EM «ESPÍRITO»
Todos os seres vivos, mais propriamente os que pertencem ao «reino animal» como é o caso humano, apresentam uma característica, facilmente constatável. Eles continuam “vivos” enquanto o sangue – quente e vivo – permaneça dentro do corpo, como que “informando-o”; assim, mantendo-se ambos elementos, sangue e corpo, intimamente unidos, continua a existir o que chamamos «a vida animal». O que é que acontece quando, por qualquer motivo, esses dois elementos separam-se, afastam-se (o sangue sai do corpo) e deixam de formar um todo, integrado e harmónico? Pois toda a gente sabe que isso significa, nem mais nem manos, a morte do ser vivo, o fim dessa vida…
Mas vamos já para a Palavra de hoje, antes de retomarmos, mais logo, este assunto novamente. E, logo no início da primeira Leitura, achamos o encontro de Abraão, “nosso primeiro Pai na Fé”, com aquele «sacerdote misterioso» (sem “genealogia” nem “biografia” e do qual apenas sabemos o nome): “Naqueles dias, Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho. Era sacerdote do Deus Altíssimo e abençoou Abraão…” (Gn 14 / 1ª L.). E é interessante constatar o facto de ser esta a primeira vez que, na Sagrada Escritura, aparecem estes dois elementos, “o pão e o vinho”, como oferendas para um sacrifício de culto à divindade…
Muitos séculos depois, Jesus de Nazaré viria “resgatar” e utilizar esse principal alimento humano, que é o pão (ainda não o vinho por enquanto) para saciar a fome daquela imensa multidão faminta, multiplicando – generosamente – a exígua quantidade que aqueles coitados tinham: “… Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados…” (Lc 9 / 3ª L.). Nós sabemos que este “milagre” de Jesus, consistente em «multiplicar a solidariedade da gente» (!) através do pão material, tinha um outro sentido mais profundo, a partir daquela outra altura em que Ele “multiplicasse – real e verdadeiramente! – o seu Corpo e Sangue”, sob as «espécies do pão e do vinho», como que recuperando aquelas oferendas sacrificiais do «misterioso sacerdote Melquisedec».
Isto aconteceria já naquele “último e primeiro” (?) acontecimento, no fim da Sua vida mortal. Sim, porque foi a “última ceia” (fim da «antiga aliança») e ao mesmo tempo “o início” da «Nova e Eterna Aliança», no Seu Corpo y Sangue. É isto mesmo que nos “lembra fielmente” o Apóstolo Paulo, na sua 1ª carta aos cristãos de Corinto: “Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim»”… (1 Cor 11 / 2ª L.). Todos os cristãos conhecemos muito bem estas Palavras, na sua literalidade, pois repetem-se, uma e mil vezes nas nossas Eucaristias, «por toda a face da Terra». Mas observemos um “pormenor”(?) de suma importância para o tema que nos ocupa. Porque é que a “Consagração” não se realiza, como pareceria normal, de uma só vez («Este é o meu Corpo e Sangue…»)? Mas não; a “consagração” faz-se separadamente. E não será que Jesus quer deixar bem patente e claro que, neste Verdadeiro e Único Sacrifício da Nova e Eterna Aliança, o fundamental é a sua Morte voluntária… para possibilitar a sua Ressurreição definitiva e Total?… E já agora, lembram-se do que dizíamos no início da nossa Reflexão?… Pois é, a separação do sangue do corpo – no caso de Cristo Jesus, violenta e cruenta separação! – significou o Sacrifício da “Sua morte” biológica. É exatamente isso que «recordamos e reproduzimos» (…“fazei-o em memória de Mim”…) na nossa Eucaristia, de acordo com as últimas palavras da Carta de Paulo: “Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha”. (1 Cor 11 / 2ª L.).
É verdade, Senhor Jesus,
que Tu és Sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedec…
Porque a Ti pertence a «realeza sacerdotal»,
desde o dia em que nasceste
nos esplendores da santidade…
quando foste gerado (não criado) pelo Pai,
antes da aurora, como orvalho…
…Por isso Te rezamos e cantamos
– no Ofertório das nossas Eucaristias – :
«O grão deste trigo que me pedes,
Tu mesmo nas minhas mãos puseste.
Eu To ofereço, Senhor,
e assim, multiplicado,
mo oferecerás de novo
no Teu “cem vezes mais”, Jesus,
do Teu Corpo Sagrado».
27 Maio, 2016
NÃO HÁ «ESTRANGEIROS»… NEM «INDIGNOS»!
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo C – Domingo 9 do Tempo Comum)
NÃO HÁ «ESTRANGEIROS»… NEM «INDIGNOS»!
Porque é que nos empenhamos – tantas vezes! – em “uniformizar” (“estandardizar”) as realidades humanas “sociais”? Claro que não o tentamos (ou sim?) com as realidades “naturais” porque «com a Natureza ninguém brinca»! E não será que também a «sociedade humana» tem as suas «leis intocáveis», tão indomáveis e permanentes como «toda a lei natural»?…
Ainda me lembro daquela lição que a Vera (criancinha dos seus 4 anos) deu à sua mamã, enquanto estavam a fazer limpeza e tirar as teias de aranha numa casa de campo. A mãe ia-lhe dizendo que matasse as crias-de-aranha, ainda novas, nascidas nos ninhos das teias, por «elas serem feias e nojentas, com patas compridas e cheias de pêlos». Então a criança, com a inocência e naturalidade próprias dessa tenra idade, fez-lhe notar, sabiamente: «Mas, ó mãe, para a sua mamã-aranha elas são as mais lindas do mundo!».
E é verdade que, por trás daquela primeira impressão da mãe da Verinha, escondia-se a pretensão, generalizada em todos nós, de não aceitar o que “não gostamos”, e de reclamar que “toda a gente seja igual a nós”, ou, melhor dizendo, que «entre toda a gente, normalizada, cada um de nós seja “o único diferente” e o melhor» de todos… Há quem diga que, «socialmente, não aceitamos “os diferentes”», embora todos defendamos, sem hesitação, “o direito à diferença”! Basta pensarmos, mais uma vez, neste problema dos «refugiados» que atualmente preocupa (ou não?) ao mundo ocidental, e não só! E o que é que está a acontecer pelo facto de eles serem rejeitados como estrangeiros, diferentes, ou simplesmente por não gostarmos deles…?
Pois a Palavra de hoje parece dar a razão àquela “intuição infantil” da “Vera”, iluminando a sua palavra “Veraz” (a condizer com o nome dela). E, já agora, na Bíblia do AT, aparece esse modo de sentir e reagir da “mamã da Verinha”, quando, pelo menos uma parte do povo hebreu, exagerava o facto de ser «o povo eleito» de Deus e, portanto, menosprezava os gentios, e até pretendia aniquilá-los!
Porém, já naquela antiguidade, na altura da consagração do novo templo de Jerusalém, o rei Salomão faz uma Oração – inspirada por Deus, claro – que parece contradizer aquele modo de pensar de muitos israelitas: “«Quando um estrangeiro, embora não pertença ao Vosso povo, Israel, vier aqui dum país distante por causa do Vosso nome… escutai-o do alto do Céu, onde habitais, e atendei os seus pedidos, a fim de que todos os povos da terra conheçam o Vosso nome»…” (1 Rs 8 / 1ª L.).
E a “clarividência” que observamos já neste antigo texto bíblico será levada à confirmação, e total perfeição, pelo mesmo Filho de Deus, Jesus de Nazaré… Perante o episódio que nos refere Lucas, no Evangelho de hoje, não restam dúvidas a este respeito: Todos os humanos – por muito diversos que pareçamos – somos iguais diante de Deus, enquanto filhos do mesmo Pai-Deus. Sabemos que São Paulo tinha muito claro este “evangelho” na sua “missão entre os gentios”: “Não há grego nem judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas o que há é Cristo, que é tudo e está em todos” (Cl 3, 11). “…E não há outro evangelho…” (Gl 1 / 2ª L.).
Neste relato do Evangelho, descreve-se admiravelmente aquela “embaixada” que o centurião romano (“gentio”) enviou a Jesus para que curasse o seu servo “quase a morrer”: “Quando chegaram à presença de Jesus, os anciãos suplicaram-Lhe insistentemente: «Ele é digno de que lho concedas, pois estima a nossa gente e foi ele que nos construiu a sinagoga»…”. Aqui vê-se também que aqueles “anciãos judeus” acham normal que aquele romano (não judeu) seja atendido por Jesus… E quando aquele centurião verificou que Jesus se dirigia à sua casa, “mandou-Lhe dizer por uns amigos: «Não Te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres em minha casa, nem me julguei merecedor de ir ter contigo. Mas diz uma palavra e o meu servo será curado». Ao ouvir estas palavras, Jesus sentiu admiração por ele e, voltando-se para a multidão que O seguia, exclamou: «Digo-vos que nem mesmo em Israel encontrei tão grande fé». Ao regressarem a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde” (Lc 7 / 3ª L.). Não há dúvida: para Deus, em Jesus, não existe o termo «estrangeiro»! E ainda por cima, fica-nos o exemplo deste militar romano, que nos deixou esta Oração, modelo para todo o cristão (e que repetimos na Eucaristia): «Senhor, não sou digno de que entres em minha morada…». Mas nós, quando oramos assim, antes de receber Jesus-Eucarístico, podemos estar certos de escutar a resposta d’Ele: “Para Mim, todos sois «dignos»”!… Porque, verdadeiramente, para Deus, não há “ESTRANGEIROS” nem “INDIGNOS”!
Seríamos incapazes, Senhor,
de proclamar este Salmo na Tua presença
se Jesus não nos tivesse ensinado
que Tu és Pai de todos e a todos abraças…
Agora sim, nos Te louvamos e amamos
porque nos deste o Teu Filho, Jesus de Nazaré,
para fazer de Todos, “uns e outros”, um só Povo:
a Família dos Teus filhos muito amados…
E então sim, já podemos convidar
todas as raças e culturas da terra:
«Louvai o Senhor, todas as nações,
aclamai-O, todos os povos.
É firme a sua misericórdia para connosco,
a fidelidade do Senhor permanece para sempre».
[ do Salmo Responsorial / 116 (117) ]