(Ciclo B – Domingo 17 do T. Comum…)
“MULTIPLICAÇÃO”… OU “DIVISÃO”?
É evidente que Jesus, ao realizar os milagres da “multiplicação dos alimentos” – ao menos por duas vezes segundo os relatos evangélicos – não teve em conta o episódio do profeta Eliseu, escrito vários séculos atrás, e descrito na primeira leitura de hoje… Isto, suposto que Ele pudesse lembrá-lo naquele momento… E é ainda mais impensável que Jesus copiasse aquele incidente da vida de Eliseu, até porque «nunca se viu que o “original” pudesse ser uma cópia da “cópia”» (!?). Foi só “pura e providencial” coincidência!
É que aquele evento profético só podia ser… isso mesmo, uma “figura profética”, uma espécie de “sonho antecipado” de uma realidade só possível a partir dos «tempos messiânicos»… Mas, vejamos, antes de mais, o tal relato, em todo o seu singelo realismo: “Veio um homem da povoação de Baal-Salisa e trouxe a Eliseu, o homem de Deus, pão feito com os primeiros frutos da colheita. Eram vinte pães de cevada e trigo novo no seu alforge. Eliseu disse: «Dá-os a comer a essa gente». O servo respondeu: «Como posso com isto dar de comer a cem pessoas?». Eliseu insistiu: «Dá-os a comer a essa gente, porque assim fala o Senhor: ‘Comerão e ainda há de sobrar’»”… (2 Rs 4 / 1ª L.).
Quem é que não vê o perfeito paralelismo existente entre uma e outra “multiplicação” (a de Jesus e a de Eliseu), mesmo tão afastadas no tempo? Porém, vale a pena tentarmos identificar “outros paralelismos” específicos, nelas contidos, que nos podem passar despercebidos, mesmo que sejam fundamentais para compreender a atitude de Jesus e o significado dos “sinais” que os Seus milagres “refletem”.
Nos milagres do género da “multiplicação dos pães e dos peixes”, ouvimos já dizer, certamente, que o “sinal” (ou a lição) que se pretende transmitir é uma exortação à “solidariedade”, ou então, uma incitação à “partilha de bens”. Ora bem, quer no caso do “servo de Eliseu” quer no caso dos “discípulos de Jesus”, o inicial ceticismo incrédulo é o mesmo: “O que é isto para alimentar tanta gente?”. Mas, perante a insistência de Jesus (ou de Eliseu, no seu caso) aquela “insignificante quantidade” dá-se, oferece-se, partilha-se… E o milagre acontece!
Sim, o milagre, mas qual milagre? Se observarmos com atenção, o que Jesus quer ressaltar e deixar claro, com estes “sinais”, milagres de multiplicação, é a necessidade – poderíamos dizer condição «sine qua non» – de dar, de partilhar o que temos… porque só assim não vai faltar nada a ninguém… e “todos vão ficar saciados, e até vai sobrar”…(Jo 6 / 3ª L.). Mas não esqueçamos que, quando damos ou partilhamos, o que na realidade fazemos é dividir o que nós temos entre todos os presentes… Trata-se, portanto, de “dividir para multiplicar”! Pois é claro que, se todos dividem… aquilo fica multiplicado! (?).
E ainda alguém poderá objetar: “Mas afinal, Deus é que faz o milagre!”. E nós repetimos: “Mas onde é que está o milagre?”. Então… vamos tentar compreender: Poderíamos dizer que “o tal milagre” (que não é do género do “espetacular”, mesmo que o pareça para muita gente) esse milagre foi feito entre todos os que “partilharam” – entregaram para distribuir – o que tinham. E uma vez que isto só se faz quando há amor e por amor, quem “realizou o milagre” foi, afinal, o Amor, quer dizer, Deus (pois bem sabemos que «Deus é Amor», ou, então, «o Amor é Deus» – lembram-se? –).
Em definitivo, quem é que dividiu e quem é que multiplicou? Alguém é capaz de separar estes dois “termos verbais”? Aliás, uma coisa é certa, para a ciência matemática: Se não existir alguma coisa, se não se quer dar nada, se nada se partilha… nada se pode multiplicar e o resultado é “nada” (porque “0” x “X” = 0).
Em conclusão: Deus – o Amor – atua sempre “em” todos, ou “através” do “amor de todos”. E fora disso, Ele não pode nem sabe nem quer fazer nada! Quem o afirma (também na Palavra de hoje) é S. Paulo: “…Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que atua em todos e em todos Se encontra”. (Ef 4 / 2ª L.).
Ó Deus-Amor, ó Amor-Deus!
É verdade que as Tuas mãos
estão sempre cheias de todos os bens,
e assim todas as criaturas Te dão graças
ao ver que és generoso em todas as Tuas obras…
Mas nós sabemos que não basta
termos os olhos postos em Ti, Senhor,
para recebermos o alimento oportuno…
Tu queres que sejamos sempre generosos;
atentos aos outros que passam privações;
abertos sempre à partilha solidária
e nunca fechados no egoísmo que mata
e que reduz a nada os dons que temos…
Que sejamos capazes de aprender, ó Pai nosso,
a ciência de “dividir” o que é nosso
para assim, “multiplicar” o de todos para todos…
[ do Salmo Responsorial / 144 (145) ]
31 Julho, 2015
«MAN-HU?» – QUE É ISTO?
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo B – Domingo 18 do T. Comum…)
«MAN-HU?» – QUE É ISTO?
Enquanto não chegarmos à meta final, nesta nossa caminhada – “de retorno” – em direção ao Centro (Verdade-Amor) donde saímos – lembram-se? –, enquanto lá não estivermos, iremos continuar a “trocar os termos” e a “confundir os sentidos” de certas coisas importantes que se nos propõe. Ainda mais quando o nosso percurso é no caminho do espírito!
É compreensível, e desculpável, que os nossos antepassados (em tempos e lugares tão primitivos) não soubessem distinguir aqueles estranhos “grânulos de geada”, que pareciam outra coisa logo que “se evaporou a camada de orvalho”… E assim, era normal que exclamassem, uns para os outros: “«Man-hu?», quer dizer, «Que é isto?»”. Certamente, ainda se encontravam “muito longe” nessa tal caminhada de retorno, para entender que aquele “pão que Deus fazia chover do céu”, aliás, “o pão que o Senhor lhes deu em alimento”, era apenas «uma figura». (Ex 16 / 1ª L.).
Menos compreensível, mas também desculpável, foi a atitude daquelas multidões, na sequência da “multiplicação dos pães e dos peixes” (da Palavra, no Evangelho de hoje). Estamos a dizer que “se compreende menos” talvez pelo facto de, aquelas gentes, estarem já na presença de Jesus de Nazaré, o Messias Salvador, e não darem conta disso! Mas, ao mesmo tempo, têm de ser igualmente desculpados… até porque nós, no seu caso, teríamos feito algo de semelhante! Não é verdade?
Vejamos, então, qual foi a resposta de Jesus ao perguntarem eles “«Mestre, quando chegaste aqui?»”. Jesus sabia que o que eles queriam perguntar, na realidade, era: «Quando é que vais repetir a “multiplicação” para comermos novamente até ficarmos fartos?». Por isso, lhes responde: “«Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres (“sinais”!), mas porque comestes dos pães e ficastes saciados”… Quantas vezes descobrimos, nos Evangelhos, a paciência infinita de Jesus – até com os seus discípulos mais próximos! – sempre que a Sua linguagem apontava num sentido e eles iam por outro!…
E no caso presente, está bem patente: Nem o tal “maná” daquele deserto era “verdadeiro pão do céu”… nem este pão de Jesus vai ser um simples pão material. Este vai ser outra coisa e muito mais: Será o seu próprio Corpo e Sangue! E assim, a Palavra de Jesus esclarece tudo: “«Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu. O pão de Deus é o que desce do Céu para dar a vida ao mundo”… E conclui: “Eu é que sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede»”. (Jo 6 / 3ª L.). Mas que fome!?… E qual sede!?…
Então, agora… calha-nos perguntarmo-nos: No meio disto tudo, onde é que nos encontramos situados? Não será que ainda temos alguma semelhança com “aqueles discípulos de Moisés” e bastante de parecido com “estes discípulos de Jesus”? É mesmo para pensarmos… quantas graças, dons, benefícios… recebidos e talvez desperdiçados ou esbanjados!
Seja como for, o nosso compromisso, desde já, vem sugerido e pautado pela “exortação” de S. Paulo (na sua Carta de hoje) – “homem novo” vs “homem velho” –:
“É necessário abandonar a vida de outrora e pôr de parte o homem velho… Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus”… (Ef 4 / 2ª L.).
Não fiques, Senhor, admirado
por continuarmos sem entender
quer as Tuas palavras quer os Teus gestos
quer, até, as maravilhas que realizaste
desde os tempos dos nossos pais
– como eles mesmos nos contaram –
quando lhes abriste as portas do céu,
quando deste ordem às nuvens do alto
para choverem “o maná”, o “pão do céu”…
Porque, tal como eles, ó Pai nosso,
nós continuamos sem querer entender…
Ainda não somos capazes de “atingir”
que este “novo maná” que Tu nos dás
– no Corpo e Sangue do Teu Filho –
é o verdadeiro “pão do Céu”, o “Pão da Vida”…
Como é grande, ó Pai, a Tua paciência connosco,
pois continuamos a ser “lentos de espírito”
para compreendermos as Escrituras…
No entanto, Jesus, prometemos crer, aceitar
e alimentar-nos deste mistério do Pão da Vida
– o verdadeiro “pão dos fortes” –
o Alimento Eucarístico, no Teu Corpo e Sangue!
[ do Salmo Responsorial / 77 (78) ]