(Ciclo C – Domingo 3 do T. Comum… )
PALAVRA QUE FAZ UNIDADE…
Vinte séculos volvidos, temos os “Textos” – transmitidos desde os “originais” – de um tal Lucas, médico e evangelista, que começam assim: “Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós… também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado…” (Lc 1). Tal é o princípio do seu Evangelho, e vê-se logo que este “escritor” toma as coisas a sério desde o início, para que ninguém tenha dúvida. Aí se verifica a importância que deve ter a palavra escrita (como também a palavra dita)! Aliás, neste campo da “palavra”, não se pode proceder de ânimo leve, sob pena de banalizar as palavras, quando não de as transformar em arma de arremesso contra tudo e contra todos… E se esta Palavra vai escrita com inicial maiúscula, como é o caso, entramos numa outra dimensão. É que nem todas as palavras têm o “mesmo poder”!
«O poder da palavra» (certamente muita gente se lembra) era o título principal de um vídeo que, há já alguns anos, circulava na Internet (“Youtube”). Aquele ceguinho que pedia esmola sentado na rua, tinha escrito no seu cartão «Sou cego, ajude-me!»… Pois eram raras as moedas que lhe caíam em cima! Mas bastou que um transeunte virasse o tal cartão e agora escrevesse «Está um lindo dia e eu não posso vê-lo!», para que as moedas começassem a “chover” sobre a sua “manta” de pedinte. Afinal, se repararmos, as duas frases dizem a mesma coisa… mas por palavras diferentes! O que mudou, portanto, foi a forma de o exprimir, ou seja, mudaram as palavras! E assim, entende-se “o slogan” que aparece no fim do vídeo, como moral da história: «Mude as suas palavras e mudará o mundo!».
Para nós, cristãos, ninguém porá em dúvida que a Palavra de Deus («Palavra de Amor, Palavra») e o “poder” dessa Palavra – que desde aquele século I da nossa Era está a transformar o mundo – permanecerá sempre, para além de qualquer outra palavra humana: “«Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir»”. É a própria Palavra de Jesus, aplicada a Si mesmo, que vem confirmar a outra Palavra profética de Isaías: “«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres… restituir a liberdade aos oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor»…” (Lc 4 / 3ª L.). Vinte séculos de ação transformadora deste poder da Palavra, em tantos países do mundo, a começar pela nossa “velha Europa”, não poderão apagar-se agora, ainda que os nossos “comandantes” europeus, e não só, se orgulhem, ou se lamentem, ou se deixem envolver pelo derrotismo perante a proximidade de um “futuro ateu” (ou “a-cristão”) da Europa, pela negação ou eliminação da chamada «matriz cristã europeia».
Porém, a Força sobrenatural desta Palavra – que já superou tantos “furacões” na sua história multisecular – continuará a redimir, libertar e salvar, como até ao presente. Por vezes, esta Palavra suscitou lágrimas de arrependimento, ou atitudes generosas de partilha, como regista o livro de Neemias: “…Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido… O governador Neemias disse a todo o povo: «Não vos entristeçais nem choreis» – porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –. Depois Neemias acrescentou: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado…” (Ne 8 / 1ª L.).
Mas a Palavra de Deus, em Jesus, gera, cultiva e fortalece a verdadeira “unidade entre todos”, que é a Unidade na diversidade. Porque só esta classe de Unidade (que não uniformidade!) produz a satisfação e alegria que a todos “liberta e salva”! E a 2ª leitura de hoje (da carta de Paulo aos Coríntios) é um maravilhoso «hino» à Unidade na diversidade… Sugerimos a sua leitura completa, atenta e meditada, para descobrirmos o sentido da verdadeira Unidade, num mundo que, “per se”, tende à dispersão e às divisões radicais…
E deixamos aqui, apenas o seguinte trecho: “…Deus organizou o corpo… de tal modo que… se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele. Vós sois o corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte…” (1 Cor 12 / 2ª L.).
A Tua Palavra, Senhor, todas as Tuas palavras
são espírito e vida para quem sabe escutá-las;
mas as nossas, como são as nossas palavras?
Inspira e suscita, Tu, as nossas palavras,
infunde nelas o Teu Espírito para que levem vida…
Pois a Tua Palavra, a tua “lei”, é perfeita,
e é capaz de reconfortar as nossas almas;
as Tuas “orientações” são luminosas e firmes,
elas dão a sabedoria aos simples de coração…
Por isso, ó Deus e Pai nosso,
todos os humanos, que somos Teus filhos,
por vezes tão dispersos e “divergentes”…
precisamos da Tua Palavra de Amor
– que ilumina os olhos e alegra o coração –
para “confluirmos” em direção à Unidade,
até formarmos a Comunidade dos fiéis,
o “Corpo místico” de Jesus, que é a Igreja…
Suscita, Senhor, os pensamentos do nosso coração,
para aceitares depois as palavras da nossa boca.
Tu que és o nosso amparo e Redentor!
[ do Salmo Responsorial / 18 (19) ]
29 Janeiro, 2016
COMO UMA «REDE»… SEM FIM!
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo C – Domingo 4 do T. Comum… )
COMO UMA «REDE»… SEM FIM!
Toda a gente sabe o que é o “umbigo”, em termos biológicos. É isso, exatamente: a “cicatriz” que fica – em todos os humanos –, a “marca” do que foi o “cordão umbilical”, que é testemunha permanente, de geração em geração, como prova veraz, em todo o momento, de que alguma vez estivemos solidamente unidos (“solidários”) com um outro ser humano (a nossa “mãe”)… E – coisa maravilhosa! – acontece-me que, a pensar nesta realidade, por vezes surpreendo-me imaginando (e “fantasiando”) num Universo imenso, ilimitado, onde aparece – como que a pairar no espaço etéreo – uma multidão imensa de «ninfas» e «fadas» (e também «sátiros» marginais!) todas elas (as fadas e ninfas) unidas entre si (“mães”) pelos “cordões umbilicais”, formando uma espécie de «rede ilimitada», onde todos (também os “sátiros” das margens) permanecemos “enredados”!…
Mas será devido a esta “realidade”, que todos temos tendência para regressarmos ao “nosso umbigo”, centrarmo-nos no mais “central” de nos próprios, ignorando ou esquecendo todo o resto? Será isso que nos transforma em ego-cêntricos, egoístas, individualistas?…
A verdade é que – na “origem” – todos surgimos de um umbigo «no seio materno», mas, logo ali mesmo, recebemos uma “vocação”, como que uma “indelével cicatriz”, que nos projeta para o exterior, o periférico, o universal, o infinito… “«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta entre as nações…»” (Jr 1 / 1ª L.). Ou seja, todos devemos ser “profetas entre as nações… até aos confins” do sem fim, do que não tem fronteiras!
Até o próprio Jesus de Nazaré – o Profeta dos profetas – foi posto na tentação, para que, de algum modo, retornasse ao “seu umbigo”, à sua terra natal de Nazaré. E já sabemos como foi, nessa altura, a Sua resposta e a Sua atitude. “Jesus disse-lhes: «Por certo Me citareis o ditado: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. «Faz também aqui, na tua terra, o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum». E acrescentou: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra…»” (Lc 4). E para que não restem dúvidas acerca da «Vocação universal» do “filho de José, o carpinteiro”, lembra-lhes, num certo tom de ironia e sarcasmo, dois acontecimentos históricos das Escrituras Sagradas: “…Havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias… contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia”… “Havia em Israel muitos leprosos… mas apenas foi curado por Eliseu o leproso sírio, Naamã»…” (Lc 4).
Fica então bem clara a Vocação de Jesus e de todos os que – em todo o tempo e lugar – serão Seus discípulos: Caminhar em direção às periferias, por terras estrangeiras marginais, ultrapassando fronteiras, até aos confins de uma missão sem fim, que nunca pode acabar! (Aliás, o nosso Papa Francisco está a deixar isto bem claro e assente). Por isso, o desfecho desse enfrentamento do «filho do carpinteiro» com os seus conterrâneos, quando tentavam prendê-lo nas suas redes, não podia deixar de ser este: “… (quando eles estavam prestes a lançá-l’O por um precipício) … Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. (Lc 4 / 3ª L.). É verdade: Ele tinha sido enviado para “seguir o seu Caminho”, para levar a Missão de Salvação a toda a parte, e chegar a todo o ser vivente…
Mas não é menos verdade que, após a Sua “saída visível” deste mundo, o Messias, Cristo, tem de continuar a Missão Salvadora através dos Seus discípulos, os «cristãos» e todos os homens de boa vontade. Para tal, cada um de nós deve encontrar “o seu caminho”, no seguimento melhor de Jesus nessa Vocação-Missão. Acontece que S. Paulo, o discípulo e grande “missionário” das gentes, apaixonado e fiel seguidor do seu Mestre, deixa-nos a sua dilatada experiência – neste campo do “Caminho” e dos “caminhos” – no famosíssimo capítulo 13 da sua primeira carta aos Coríntios. (Vale bem a pena lermos hoje, na íntegra, e refletirmos e orarmos). Aqui e agora, ficam apenas alguns “extractos”:
“Vou mostrar-vos um caminho de perfeição (o caminho melhor) que ultrapassa tudo… A caridade (o Amor) tudo desculpa… tudo crê, …tudo espera, …tudo suporta… A caridade não acaba nunca… Quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá… Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade”. (1 Cor 13 / 2ª L.). Quer dizer, se a caridade (Amor) é a única realidade ilimitada – no espaço e no tempo – que “tudo crê, espera e suporta”, que tudo cria, transforma e salva… também não pode ter fim o “caminho missionário” expansivo, que esse Amor inspira e impele!
Em Ti, Senhor, eu me refugio,
Tu és a fortaleza da minha salvação;
a minha boca proclamará a Tua justiça,
porque és para mim um refúgio seguro…
“Antes de me formares no ventre materno,
Tu já me tinhas escolhido e consagrado”;
no seio da mãe, “ungiste-me” para me enviar…
Como fruto do Teu Amor, ó Pai,
o meu “ser” já tinha um destino traçado;
um destino de amor e de entrega aos outros…
E porque desde a juventude Tu me ensinaste,
eu anunciarei sempre os Teus prodígios,
levando comigo esta vocação e missão,
que me confiaste para a salvação de todos…
Ajuda-me, Pai, para que eu seja sempre fiel
a esta “vocação de amor e por amor”;
esse “amor” que tudo crê e tudo desculpa;
esse “amor” que tudo espera e tudo suporta;
esse “amor” que há de permanecer sempre,
quando todo o resto passará e desaparecerá…
Por isso, os meus lábios, Senhor, meu Deus,
anunciarão a Tua Salvação eternamente!
[ do Salmo Responsorial / 70 (71) ]