(Ciclo C – Domingo 15 do Tempo Comum)
«ESTÁ DENTRO DE TI!»
Os humanos temos o costume – ou talvez a “mania”! – de estarmos “virados para fora”, tentando procurar, lá fora, “muita coisa boa”(?) que, por ironia, está bem dentro de nós! E, claro, assim nunca conseguimos encontrar o que mais nos interessa… Lembremos aquele grande convertido, Santo Agostinho de Hipona, que depois de tantos anos de querer satisfazer a sua sede de felicidade buscando-a por todo o lado “menos onde realmente estava”, acabou por reconhecer que a verdadeira Felicidade é o próprio Deus, e que esse Deus sempre esteve “no centro” do seu ser: «Tarde Te amei, ó Deus, tarde Te amei! Tu estavas dentro de mim e eu estava fora!» (“Confissões” – Agostinho de H.). Este grande homem compreendeu (embora mais tarde do que ele teria gostado!) que tudo aquilo de bom e de melhor, que para nós existe ou possa existir… está em Deus, e que esse Deus está mais dentro de nós do que nós próprios. [Como caso anedótico: Nestes dias falava-se da pesquisa científica que está tentando “decifrar”, no “genoma humano”, alguns textos bíblicos do AT, referentes a Deus. / É o que tenta representar a «imagem que escolhemos»]. Quanto mais não seja, este interesse científico, nessa direção, denota a “inquietação humana” na procura desta Verdade que refletimos.
É como aquela fábula do “jovem diabo”, que, no «concílio diabólico» do início da Criação do ser humano, deu o melhor conselho para «esconder a Felicidade no único lugar onde o homem nunca ia conseguir encontrá-la, isto é, no seu interior mais íntimo». E é verdade, porque sempre se verifica que os seres humanos andamos à procura da felicidade por todo o lado, e confundimo-la com muita coisa que “parece mas não é”! E assim – desilusão após desilusão – tanta gente, na nossa sociedade, vive triste e infeliz, mesmo no meio de prazeres, confortos… e “gargalhadas”.
Então, se é verdade que “o melhor para nós” está “cá dentro” – no nosso interior mais íntimo – porque é que nos empenhamos em procurá-lo “lá fora”?
Vejamos se, na Palavra de hoje, descobrimos outras pistas neste sentido. Por exemplo, acerca da Lei de Deus, que, afinal, é a «Lei do Amor» (Lc 10, do Evangelho de hoje) já no livro do Deuteronómio era declarado, alto e claro, que “«(essa lei de Amor) não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós subir ao céu, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Não está para além dos mares, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós transpor os mares, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’»”. Já agora, não vos parece que “aquele diabinho”, do tal “conciliábulo”, conhecia bem esta página da Escritura, quando deu aquele “sábio conselho”? Mas este mesmo texto bíblico conclui, precisamente: “«Esta palavra está bem perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática»”. (Dt 30 / 1ª L.).
E a parábola do «Bom samaritano», que aparece no Evangelho de hoje, manifesta, de forma bem patente e prática, onde é que estava “escondida” a caridade, o amor ao próximo, que aqueles dois primeiros personagens (o “sacerdote” e o “levita”) não “souberam encontrar” (apesar de «pertencerem ao povo eleito»)… Diz a parábola: “Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele (do homem ferido e meio-morto) e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão”. Claro que “os outros dois” também “passaram junto dele” e também “o viram”, mas não souberam ou não quiseram «deixar-se comover nas entranhas», que esse é o significado de “encher-se de compaixão”. E nada é mais íntimo a nós do que “as entranhas, o coração, a compaixão”! É para nos perguntarmos: Terão, alguma vez, desculpa ou justificação todos os que seguem o exemplo do “levita” e do “sacerdote” por «não terem encontrado» a compaixão, “as entranhas de misericórdia”, o amor… que não estava “lá por fora”. E a sua situação inicial era a mesma que a do “samaritano”, ou até melhor. É apenas questão de «se deixar tocar, ou não, no interior do próprio ser»!
E agora resulta evidente compreender que, a partir daí, tudo veio por acréscimo, na conduta exemplar e admirável daquele «bom samaritano»: “Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar»”. (Lc 10 / 3ª L.). E nós concluímos deste modo: Lei de Amor, Palavra divina, Compaixão, Misericórdia… tal como a Felicidade (que tudo isso é DEUS!) estão no “centro mesmo” do nosso ser!
Se bem o pensarmos e refletirmos,
não deveríamos dizer, com este salmo,
«eu sou pobre e miserável, Senhor»,
porque estando Tu em nós, no nosso íntimo,
temos o maior e melhor dos “tesouros”…
Mas sim, devemos pedir-Te perdão com Santo Agostinho:
«Porque enquanto nós andamos procurando-Te lá fora,
Tu, Senhor, já estás à nossa espera cá dentro»…
Tem paciência connosco, ó Pai nosso,
porque andamos espalhados e dispersos,
querendo encontrar sempre substitutos para
o Amor verdadeiro e a autêntica Felicidade!
Tem paciência connosco porque nesta atitude,
de vivermos distraídos e alheados,
devemos reconhecer, leal e honestamente,
que, então sim, somos pobres e miseráveis diante de Ti,
pois não somos capazes de “Te identificar em nós”…
Mas agora, ó Pai nosso, prometemos que vamos
tirar de nós esses “ídolos” que pretendem “substituir-Te”,
e tornar a colocar-Te, só e unicamente a Ti – como Rei –
nesse “trono” preferente do nosso ser mais íntimo…
E assim já podemos animar os pobres e humildes
utilizando as mesmas palavras deste salmo:
«Procurai, pobres, o Senhor com fé e humildade,
e encontrareis, dentro de vós, a Sua própria Vida!».
[ do Salmo Responsorial / 68 (69) ]
15 Julho, 2016
«… HOSPEDARAM ANJOS»
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo C – Domingo 16 do Tempo Comum)
«… HOSPEDARAM ANJOS»
O combate, no nosso interior, entre as forças do “egoísmo” e as forças do “altruísmo” – fechar-se em si mesmo ou abrir-se em favor dos outros por amor – é uma luta que não podemos ignorar, sob pena de sermos vencidos pelo lado que nos destrói. Devemos, aliás, reconhecer que, pelo «instinto de conservação», tentamos fazer-nos fortes no nosso castelo egocêntrico, onde o “culto ao eu” parece que tudo quer dominar… E, contudo, deveríamos ser conscientes de que isso será certamente o princípio da nossa ruína e desolação… a não ser que encontremos o motivo e a força interior que nos lance no sentido inverso, em direção aos outros, de onde vem a nossa salvação, individual e coletiva. Ou pessoal e social, porque nunca devemos esquecer que a nossa direção e sentido como humanos (que é como dizer a nossa “vocação”) é essencialmente “social”… e, em cada um de nós, nada terá sentido sem os outros!
Ou seja que, para contar com os outros e para nos entregar aos demais, temos de saber, conhecer, compreender que somos irmãos entre irmãos, todos filhos do mesmo Pai Deus, e esta realidade ninguém a pode alterar ou mudar. Portanto, se este sentido e convicção de “fraternidade” («frater» – irmão) existe e predomina em nós… então, a abertura e partilha com os outros será um facto.
É interessante constatar que este espírito de “abertura e partilha” era normal, habitual, entre os nossos mais antigos “pais na fé”. O primeiro de todos, Abraão (também Lot, Tobias…). Lemos no livro do Génesis: “Abraão estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Ergueu os olhos e viu três homens de pé diante dele. Logo que os viu, deixou a entrada da tenda e correu ao seu encontro… e disse: «Meu Senhor, se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo. Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore…” (Gn 18 / 1ª L.). Sem dúvida, deve ter sido deste jeito como nasceu esse admirável “espírito de hospitalidade”… tão comum e característico daquelas gentes durante muito tempo. Mas que pena que – ao que parece! – não se conservou este espírito (nem sequer transformado e adaptado) na maior parte das nossas “sociedades evoluídas”. Antes pelo contrário, como se está a constatar neste triste fenómeno dos «Refugiados», e precisamente no chamado “mundo ocidental”, que se orgulha do seu “progresso”! Como diria alguém, se «progredimos» para isto, então «regressemos» ao nosso melhor e mudemos de direção!…
Desde Abraão, tinham passado já muitos séculos e gerações, mas ainda no tempo de Jesus de Nazaré não se tinha perdido (!) este sentido de “hospitalidade”, como se constata em muitas passagens do Evangelho e de todo o NT. “Naquele tempo, Jesus entrou em certa povoação, e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço…” (Lc 10 / 3ª L.).
E não podemos ignorar que esta “hospitalidade” (acolhimento e partilha) leva, como inerente, a sua “recompensa” ou gratificação. No caso de Abraão, com esta promessa: “Um deles disse: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano, e então Sara, tua esposa, terá um filho»”. (Gn 18 / 1ª L.). E no caso de Marta e Maria: a “profunda amizade surgida entre Jesus e elas” (que até chegaria a devolver a vida ao seu irmão Lázaro defunto). Mas tudo começou, segundo parece, neste Evangelho de hoje: “«Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada»”. (Lc 10 / 3ª L.).
Realmente – e concluímos por onde iniciamos – quando praticamos a hospitalidade, nas suas diversas formas… acontece que «acolhemos, hospedamos, sem o sabermos, os próprios ‘anjos’» (Hb 13, 2). Claro que nós podemos ir ainda mais longe ao afirmar, com toda a verdade, que «hospedamos, acolhemos o próprio Deus». Sim, é isso mesmo que aconteceu, quer no caso de Abraão (onde aqueles «três homens» resultaram ser o próprio Deus) quer no caso de Marta e Maria (onde aquele galileu de Nazaré, que hospedaram na sua casa, resultou ser o Filho de Deus). E cá está (agora já com o Evangelho na mão) a admirável lição para todos nós: Sempre que recebemos e acolhemos qualquer semelhante (irmão) é a Deus que acolhemos. «Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era “peregrino e recolhestes-me”…» (Mt 25, 35). Porque verdadeiramente, para Paulo, e para nós, “o mistério é este: Cristo em nós, esperança da Glória” (Cl 1 / 2ª L.).
Senhor, Senhor, que sociedade humana temos nós!
É verdade que em muitos aspetos ela melhorou,
graças ao impulso positivo de progresso
que Tu imprimiste, gravaste, no género humano,
e por isso Te louvamos e sempre Te glorificaremos…
Mas, porque é que nós não fomos capazes, Senhor,
de conservar aquele espírito de fraternidade,
aquela admirável atitude, “dos nossos pais”,
de acolhermos e servirmos os nossos semelhantes,
aquela maravilhosa “hospitalidade” que eles praticavam
– Abraão, Lot, Tobite e tantos outros –
tão comum e normal naqueles tempos?
Porém, nós queremos hoje, como eles, ó Pai,
recuperarmos a “verdadeira hospitalidade”,
pois nós já temos a chave que nos deu Teu Filho:
«O que fazeis aos outros é a Mim que o fazeis».
Porque se nós não “recebemos” os outros,
como é que ousamos pedir-Te que Tu nos “recebas”
para habitarmos para sempre na Tua Casa,
no Santuário da Tua Montanha santa?
Abre os nossos “corações fechados”, Senhor,
para que estejam sempre dispostos a acolher-Te,
porque só assim estarão aptos e prontos
para acolherem a abraçarem todos os nossos irmãos…
Que se possa dizer com verdade de todos nós
– como diziam de Jesus, nosso Irmão mais velho –
que “não fazemos aceção de pessoas”
porque no nosso coração deve haver lugar para todos!
[ do Salmo Responsorial / 14 (15) ]