38c- «Está dentro de Ti!»

(Ciclo C – Domingo 15 do Tempo Comum)  

«ESTÁ DENTRO DE TI!»

             Os humanos temos o costume – ou talvez a “mania”! – de estarmos “virados para fora”, tentando procurar, lá fora, “muita coisa boa”(?) que, por ironia, está bem dentro de nós! E, claro, assim nunca conseguimos encontrar o que mais nos interessa… Lembremos aquele grande convertido, Santo Agostinho de Hipona, que depois de tantos anos de querer satisfazer a sua sede de felicidade buscando-a por todo o lado “menos onde realmente estava”, acabou por reconhecer que a verdadeira Felicidade é o próprio Deus, e que esse Deus sempre esteve “no centro” do seu ser: «Tarde Te amei, ó Deus, tarde Te amei! Tu estavas dentro de mim e eu estava fora!» (“Confissões” – Agostinho de H.). Este grande homem compreendeu (embora mais tarde do que ele teria gostado!) que tudo aquilo de bom e de melhor, que para nós existe ou possa existir… está em Deus, e que esse Deus está mais dentro de nós do que nós próprios. [Como caso anedótico: Nestes dias falava-se da pesquisa científica que está tentando “decifrar”, no “genoma humano”, alguns textos bíblicos do AT, referentes a Deus. / É o que tenta representar a «imagem que escolhemos»]. Quanto mais não seja, este interesse científico, nessa direção, denota a “inquietação humana” na procura desta Verdade que refletimos.

É como aquela fábula do “jovem diabo”, que, no «concílio diabólico» do início da Criação do ser humano, deu o melhor conselho para «esconder a Felicidade no único lugar onde o homem nunca ia conseguir encontrá-la, isto é, no seu interior mais íntimo». E é verdade, porque sempre se verifica que os seres humanos andamos à procura da felicidade por todo o lado, e confundimo-la com muita coisa que “parece mas não é”! E assim – desilusão após desilusão – tanta gente, na nossa sociedade, vive triste e infeliz, mesmo no meio de prazeres, confortos… e “gargalhadas”.

Então, se é verdade que “o melhor para nós” está “cá dentro” – no nosso interior mais íntimo – porque é que nos empenhamos em procurá-lo “lá fora”?

Vejamos se, na Palavra de hoje, descobrimos outras pistas neste sentido. Por exemplo, acerca da Lei de Deus, que, afinal, é a «Lei do Amor» (Lc 10, do Evangelho de hoje) já no livro do Deuteronómio era declarado, alto e claro, que “«(essa lei de Amor) não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós subir ao céu, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Não está para além dos mares, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós transpor os mares, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’»”. Já agora, não vos parece que “aquele diabinho”, do tal “conciliábulo”, conhecia bem esta página da Escritura, quando deu aquele “sábio conselho”? Mas este mesmo texto bíblico conclui, precisamente: “«Esta palavra está bem perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática»”. (Dt 30 / 1ª L.).

E a parábola do «Bom samaritano», que aparece no Evangelho de hoje, manifesta, de forma bem patente e prática, onde é que estava “escondida” a caridade, o amor ao próximo, que aqueles dois primeiros personagens (o “sacerdote” e o “levita”) não “souberam encontrar” (apesar de «pertencerem ao povo eleito»)… Diz a parábola: “Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele (do homem ferido e meio-morto) e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão”. Claro que “os outros dois” também “passaram junto dele” e também “o viram”, mas não souberam ou não quiseram «deixar-se comover nas entranhas», que esse é o significado de “encher-se de compaixão”. E nada é mais íntimo a nós do que “as entranhas, o coração, a compaixão”! É para nos perguntarmos: Terão, alguma vez, desculpa ou justificação todos os que seguem o exemplo do “levita” e do “sacerdote” por «não terem encontrado» a compaixão, “as entranhas de misericórdia”, o amor… que não estava “lá por fora”. E a sua situação inicial era a mesma que a do “samaritano”, ou até melhor. É apenas questão de «se deixar tocar, ou não, no interior do próprio ser»!

E agora resulta evidente compreender que, a partir daí, tudo veio por acréscimo, na conduta exemplar e admirável daquele «bom samaritano»: “Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar»”. (Lc 10 / 3ª L.). E nós concluímos deste modo: Lei de Amor, Palavra divina, Compaixão, Misericórdia… tal como a Felicidade (que tudo isso é DEUS!) estão no “centro mesmo” do nosso ser!

 

Se bem o pensarmos e refletirmos,

não deveríamos dizer, com este salmo,

«eu sou pobre e miserável, Senhor»,

porque estando Tu em nós, no nosso íntimo,

temos o maior e melhor dos “tesouros”…

Mas sim, devemos pedir-Te perdão com Santo Agostinho:

«Porque enquanto nós andamos procurando-Te lá fora,

Tu, Senhor, já estás à nossa espera cá dentro»…

Tem paciência connosco, ó Pai nosso,

porque andamos espalhados e dispersos,

querendo encontrar sempre substitutos para

o Amor verdadeiro e a autêntica Felicidade!

Tem paciência connosco porque nesta atitude,

de vivermos distraídos e alheados,

devemos reconhecer, leal e honestamente,

que, então sim, somos pobres e miseráveis diante de Ti,

pois não somos capazes de “Te identificar em nós”…

Mas agora, ó Pai nosso, prometemos que vamos

tirar de nós esses “ídolos” que pretendem “substituir-Te”,

e tornar a colocar-Te, só e unicamente a Ti – como Rei –

nesse “trono” preferente do nosso ser mais íntimo…

E assim já podemos animar os pobres e humildes

utilizando as mesmas palavras deste salmo:

«Procurai, pobres, o Senhor com fé e humildade,

e encontrareis, dentro de vós, a Sua própria Vida!».                     

            [ do Salmo Responsorial / 68 (69) ]