39c- «... hospedaram anjos»

 (Ciclo C – Domingo 16 do Tempo Comum)  

«… HOSPEDARAM ANJOS»

O combate, no nosso interior, entre as forças do “egoísmo” e as forças do “altruísmo” – fechar-se em si mesmo ou abrir-se em favor dos outros por amor – é uma luta que não podemos ignorar, sob pena de sermos vencidos pelo lado que nos destrói. Devemos, aliás, reconhecer que, pelo «instinto de conservação», tentamos fazer-nos fortes no nosso castelo egocêntrico, onde o “culto ao eu” parece que tudo quer dominar… E, contudo, deveríamos ser conscientes de que isso será certamente o princípio da nossa ruína e desolação… a não ser que encontremos o motivo e a força interior que nos lance no sentido inverso, em direção aos outros, de onde vem a nossa salvação, individual e coletiva. Ou pessoal e social, porque nunca devemos esquecer que a nossa direção e sentido como humanos (que é como dizer a nossa “vocação”) é essencialmente “social”… e, em cada um de nós, nada terá sentido sem os outros!

Ou seja que, para contar com os outros e para nos entregar aos demais, temos de saber, conhecer, compreender que somos irmãos entre irmãos, todos filhos do mesmo Pai Deus, e esta realidade ninguém a pode alterar ou mudar. Portanto, se este sentido e convicção de “fraternidade” («frater» – irmão) existe e predomina em nós… então, a abertura e partilha com os outros será um facto.

É interessante constatar que este espírito de “abertura e partilha” era normal, habitual, entre os nossos mais antigos “pais na fé”. O primeiro de todos, Abraão (também Lot, Tobias…). Lemos no livro do Génesis: “Abraão estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Ergueu os olhos e viu três homens de pé diante dele. Logo que os viu, deixou a entrada da tenda e correu ao seu encontro… e disse: «Meu Senhor, se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo. Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore…” (Gn 18 / 1ª L.). Sem dúvida, deve ter sido deste jeito como nasceu esse admirável “espírito de hospitalidade”… tão comum e característico daquelas gentes durante muito tempo. Mas que pena que – ao que parece! – não se conservou este espírito (nem sequer transformado e adaptado) na maior parte das nossas “sociedades evoluídas”. Antes pelo contrário, como se está a constatar neste triste fenómeno dos «Refugiados», e precisamente no chamado “mundo ocidental”, que se orgulha do seu “progresso”! Como diria alguém, se «progredimos» para isto, então «regressemos» ao nosso melhor e mudemos de direção!

Desde Abraão, tinham passado já muitos séculos e gerações, mas ainda no tempo de Jesus de Nazaré não se tinha perdido (!) este sentido de “hospitalidade”, como se constata em muitas passagens do Evangelho e de todo o NT. “Naquele tempo, Jesus entrou em certa povoação, e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço…” (Lc 10 / 3ª L.).

E não podemos ignorar que esta “hospitalidade” (acolhimento e partilha) leva, como inerente, a sua “recompensa” ou gratificação. No caso de Abraão, com esta promessa: “Um deles disse: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano, e então Sara, tua esposa, terá um filho»”. (Gn 18 / 1ª L.). E no caso de Marta e Maria: a “profunda amizade surgida entre Jesus e elas” (que até chegaria a devolver a vida ao seu irmão Lázaro defunto). Mas tudo começou, segundo parece, neste Evangelho de hoje: “«Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada»”. (Lc 10 / 3ª L.).

Realmente – e concluímos por onde iniciamos – quando praticamos a hospitalidade, nas suas diversas formas… acontece que «acolhemos, hospedamos, sem o sabermos, os próprios ‘anjos’» (Hb 13, 2). Claro que nós podemos ir ainda mais longe ao afirmar, com toda a verdade, que «hospedamos, acolhemos o próprio Deus». Sim, é isso mesmo que aconteceu, quer no caso de Abraão (onde aqueles «três homens» resultaram ser o próprio Deus) quer no caso de Marta e Maria (onde aquele galileu de Nazaré, que hospedaram na sua casa, resultou ser o Filho de Deus). E cá está (agora já com o Evangelho na mão) a admirável lição para todos nós: Sempre que recebemos e acolhemos qualquer semelhante (irmão) é a Deus que acolhemos. «Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era “peregrino e recolhestes-me”…» (Mt 25, 35). Porque verdadeiramente, para Paulo, e para nós, “o mistério é este: Cristo em nós, esperança da Glória” (Cl 1 / 2ª L.).

 

Senhor, Senhor, que sociedade humana temos nós!

É verdade que em muitos aspetos ela melhorou,

graças ao impulso positivo de progresso

que Tu imprimiste, gravaste, no género humano,

e por isso Te louvamos e sempre Te glorificaremos…

Mas, porque é que nós não fomos capazes, Senhor,

de conservar aquele espírito de fraternidade,

aquela admirável atitude, “dos nossos pais”,

de acolhermos e servirmos os nossos semelhantes,

aquela maravilhosa “hospitalidade” que eles praticavam

– Abraão, Lot, Tobite e tantos outros –

tão comum e normal naqueles tempos?

Porém, nós queremos hoje, como eles, ó Pai,

recuperarmos a “verdadeira hospitalidade”,

pois nós já temos a chave que nos deu Teu Filho:

«O que fazeis aos outros é a Mim que o fazeis».

Porque se nós não “recebemos” os outros,

como é que ousamos pedir-Te que Tu nos “recebas”

para habitarmos para sempre na Tua Casa,

no Santuário da Tua Montanha santa?

Abre os nossos “corações fechados”, Senhor,

para que estejam sempre dispostos a acolher-Te,

porque só assim estarão aptos e prontos

para acolherem a abraçarem todos os nossos irmãos…

Que se possa dizer com verdade de todos nós

– como diziam de Jesus, nosso Irmão mais velho –

que “não fazemos aceção de pessoas”

porque no nosso coração deve haver lugar para todos!

            [ do Salmo Responsorial / 14 (15) ]