(Ciclo B – Domingo 25 do T. Comum…)
«AFINAL, “SOFRER” PARA QUÊ?»
Poderá haver alguma gente que “goste da dor”, que “sinta prazer no próprio sofrimento”. Sabemos que há gostos para tudo e tendências de todo o género… até para sentir prazer naquilo que, por definição, seria exatamente o contrário. Aliás, para esta tendência, que está “fora do normal”, “fora do amor” (“parafílica”), existe já o termo “masoquismo” (do escritor L. S. Masoch). É evidente que, para o comum dos mortais (os ditos normais), a dor em si mesma, o sofrimento como tal, não é procurado, antes é evitado por todos os meios. E, mesmo para os masoquistas, haverá sempre uma classe de dores e padecimentos que lhes causarão angústia ou tortura… Então, aí somos todos coincidentes. E trata-se agora, precisamente, desta questão!
É que todo o ser humano normal pergunta-se, uma e mil vezes: que sentido tem, para mim, tudo isto que fere e magoa (dores, desgostos, angústias, aflições, amarguras…) tão omnipresentes na vida dos humanos em geral? Será que, afinal, também isso terá uma “explicação”, uma justificação?
Certamente, os que pretendem viver “na justiça” e na verdade, às vezes são perseguidos, magoados, torturados… por aqueles que se julgam seus inimigos, como diz a Palavra hoje: “Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras… Provemo-lo com ultrajes e torturas, para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência…»” (Sb 2 / 1ª L.). Não são apenas esses “justos” que padecem, mas também estes – a quem a Sabedoria chama “ímpios” – que sofrem, antes ou depois, e de muitas maneiras… E o problema está aí, exatamente: Ninguém se livra do sofrimento! Eis outro “mistério”!
Para projetar uma luz diferente sobre esta questão, o apóstolo Tiago mostra algumas pistas, no texto da sua Carta de hoje: “Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações… De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros?… Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras”… (Tg 3 / 2ª L.). De onde se deduz que a maior parte de todos os nossos dissabores e sofrimentos têm origem nas baixas paixões e más inclinações…
No campo do Amor – lembram-se? – já lhe encontramos um sentido ao sofrimento, em qualquer uma das suas formas. E, evidentemente, aí reside o ponto de partida, a chave inicial deste mistério. Assim sendo, temos de prosseguir até encontrarmos a explicação – do “para quê” – na direção e sentido convenientes. Mas, em definitivo, enfrentar o sofrimento pelo bem daquele(s) que amamos e nos amam, não é assim tão difícil de compreender e aceitar. A dificuldade aparece quando “é necessário” (!?) passar pela dor e o sofrimento – assumidos por amor! – para cooperar na “corredenção” (!?) de todos, até dos nossos inimigos; sim, daqueles “ímpios que armam ciladas ao justo… e o provam com ultrajes e torturas…” (como vimos que dizia o livro da Sabedoria).
Ora bem, sendo assim, “necessário”, exercermos nós de “co-redentores” (com minúscula), quem é então – perguntamos nós – o “Redentor” (com maiúscula)? E de que modo é que foi realizada por Ele, e consumada, a “Redenção” (Resgate, Libertação, Salvação)?… O Evangelho de hoje tem esta resposta:
Quando, naquela altura, “Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia, em direção a Jerusalém (escreve Marcos) ia ensinando os discípulos, e dizia-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar”…(Mc 9 / 3ª L.). E quem é que compreende essa linguagem de tormentos, torturas e morte… sobretudo quando não se tem a perspetiva de um «para quê» redentor? Nós sabemos, porém, que Jesus foi explicando, especialmente aos seus discípulos, de vários modos e em diversas ocasiões, que “era necessário que o Filho do homem, para salvar toda a humanidade, padecesse a paixão da cruz, até à morte, e ressuscitasse ao terceiro dia”… E nós agora temos tudo mais claro, embora aceitando sempre “o mistério da dor”! Podemos, sim, conhecer melhor o valor salvador da cruz, o «para quê» co-redentor do sofrimento: É sempre “necessário” para a Salvação de todos os homens!
Então, podemos concluir: Ai de nós se ainda não apreendemos e assumimos – nas nossas dores e cruzes da vida terrena – este serviço de co-redenção por Amor!
Quantas vezes sinto, Senhor,
– mormente no meio das dificuldades –
que és Tu quem sustenta a minha vida,
Tu, quem me salva por Amor!
E quando experimento as aflições,
ou me sinto injustamente lesado
pelos arrogantes e violentos deste mundo,
que se levantam e arremetem contra mim
e atentam vilmente contra a minha vida…
então, de bom grado oferecerei sacrifícios,
mas outra espécie de “sacrifícios”, só por amor!…
Serão essas cruzes – minhas e “deles” –
que, unidas à Cruz Redentora de Cristo Jesus
e a todas as cruzes e mortes “corredentoras”
de tantos irmãos espalhados pelo mundo…
têm em Ti e pelo Teu Amor e Perdão, ó Pai,
um sentido e um valor “de Salvação Eterna”…
[ do Salmo Responsorial / 53 (54) ]
25 Setembro, 2015
APOSTAMOS NA “IN-FELICIDADE”!
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo B – Domingo 26 do T. Comum…)
APOSTAMOS NA “IN-FELICIDADE”!
Deleitar-se no próprio sofrimento (masoquismo) considera-se um “desvio” (doentio/extranormal) da natureza humana. Lembram-se? Porém, «invejar os outros por acharmos que são superiores a nós em determinados aspetos»… é qualquer coisa que parece “conatural” à mesma humana natureza; tanto, que a inveja considera-se um dos «sete vícios ou pecados capitais»; sim, “capitais” porque originam, são “raiz” de outros vícios. Há quem defina a inveja como «a vontade frustrada de possuir os atributos ou qualidades de um outro ser». Ao que parece, chega a ser tão comum e “universal” este vício que até «a filosofia popular» consagrou-lhe um dos seus ditados: «Se a inveja fosse “tinha”, quantos tinhosos haveria!». E, desde logo, a inveja é mais nefasta para o espírito do que a tinha para o corpo.
Tão antigo, portanto, como a humanidade (aí está a “inicial” inveja de Caim!) não admira que este vício ou pecado apareça bem “retratado” já desde as primeiras Escrituras e Histórias do Antigo Testamento. Observemos esta “bela coleção” de “invejas” entre personagens do AT: já desde o primeiro Livro, o Génesis (Gn 4,5-8; 30,1; 37,11…); ou então, em “sentenças” como estas: “a inveja mata o imbecil” (Jb 5, 2): “a inveja é como a cárie dos ossos” (Pr 14, 30); “a sua inveja e ódio pereceram juntamente com eles” (Ecl 9, 6); “por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24); “a inveja e a ira abreviam os dias do homem” (Sir 30, 24); etc. E se formos já para a primeira leitura da Palavra de hoje do AT, no livro dos Números, continuamos a constatar a fundura das raízes deste pecado da inveja ou ciúme: “O Espírito poisou também sobre eles… e começaram a profetizar no acampamento. Um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué… tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os». Moisés, porém, respondeu-lhe: «Estás com ciúmes por causa de mim?”... Ainda bem que, nesta passagem, como noutras muitas, surge uma voz carismática (neste caso a do próprio Moisés) que tenta corrigir o vício e repor a verdade e a transparência: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!»”. (Nm 11 / 1ª L.).
E agora, perguntamos nós, o que é que ganha o homem – que ganhamos nós! – ao cultivarmos este vício que, em definitivo só produz infelicidade na nossa alma e coração, ficando o sabor amargo de uma vida apática, nojenta e sem sentido? Quer queiramos quer não, deixar-se dominar pela inveja é como «apostar numa insensata infelicidade» ilimitada! É incompreensível: além de tudo, parvos! Que tristeza!
Pois… «as Idades do homem» sucedem-se, e, ao iniciar-se o NT, no tempo de Jesus, o domínio das “invejas” continua… Naquela altura, foi o discípulo João que disse a Jesus (no Evangelho de hoje): “«Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em Teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco»”. É sempre a mesma história («o outro não pode ser como eu e ainda menos superior a mim!»). Desta vez a voz carismática de Jesus – como outrora a de Moisés – vem repor a Verdade: “«Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós»”. (Mc 9 / 3ª L.). E é que “a recompensa – prossegue Jesus – até pelo facto tão simples de ter dado a beber um copo de água” só pode ser para aqueles que não se deixam envolver pela infelicidade deste vício da inveja e os ciúmes, raiz de tantos males e escândalos…
Mas, as tais Idades do homem chegam até nós, e “o império da inveja” continua “vivo e pujante”(?), aliás, está na origem de todas as guerras!… Basta olhar atentamente à nossa volta, para ver como se devoram, uns aos outros pela inveja, os indivíduos predominantes nesta sociedade, que é a nossa, controlada e subjugada pelo imperialismo consumista competitivo… Claro que não vamos transcrever aqui a Carta de Tiago (Tg 5, 1-6 / 2ª L) para não ultrapassarmos o espaço normal desta Reflexão. Mas trata-se do “retrato perfeito” dos tais indivíduos – consumistas compulsivos e competitivos – “retrato pintado há vinte séculos” mas como se estivesse a contemplar, em profecia previdente, esta nossa sociedade de hoje. Então, seria muito bom fazermos a leitura atenta deste Texto do apóstolo Tiago, para, sinceramente, nos perguntarmos se não estaremos nós contagiados deste “vício”!
Eu sei, nós sabemos, Senhor,
que a Tua lei de amor é perfeita,
e que está inscrita no nosso coração
para, no bom combate, vencermos os vícios capitais…
A Tua lei amorosa nos ajude, Senhor,
para triunfarmos sobre as invejas e ciúmes…
porque os Teus preceitos alegram o coração,
e as Tuas ordens são firmes e reconfortantes,
e dão sabedoria aos simples e puros de espírito…
Embora os Teus filhos, ó Pai nosso, tentamos
deixar-nos guiar pelos Teus juízos e mandatos,
e observá-los com inteligência e sumo cuidado,
quem pode, porém, reconhecer os seus erros?…
Purifica-nos também dos outros erros que nos são ocultos,
e preserva-nos dos “demónios” interiores da inveja;
que eles não tenham poder algum sobre nós!
Prometemos, então, fidelidade ao compromisso
de evitarmos aquele contágio, e permanecermos imunes
a qualquer vício que nos leve à “in-felicidade”!
[ do Salmo Responsorial / 18 (19) ]