
(Ciclo C – Domingo 23 do Tempo Comum)
A «SABEDORIA DO CORAÇÃO»
Não deixam de ser misteriosas as palavras desta súplica, dirigida ao Senhor Deus (no Salmo 89 / Responsorial de hoje): «Ensina-nos a contar os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração». Toda a gente tem alguma ideia acerca dos vários significados do termo “sabedoria”, com aceções nos diversos campos da “cultura humana”… Se bem que não devemos esquecer o primeiro sentido, o etimológico – de raiz – (que deriva de “sapientia” – “sapere” = saborear). Mas aqui vai mais longe, é a «sabedoria do coração»!
Lembro-me muito bem (por tê-lo utilizado nas aulas) daquele “conto” de tradição judeo-cristã… cuja “moral” é mesmo radical.
«Um velho rabino lançou, uma vez, esta pergunta aos seus discípulos:
– “Está a amanhecer. Mas como é que se pode reconhecer e saber o momento em que a noite termina e começa o dia?”. Eles, depois de pensar uns instantes, respondem:
– É quando… se pode distinguir claramente, ao longe, um cão de uma ovelha.
– Não! – diz o rabino. Então eles pensam mais, e dizem:
– É quando já se pode distinguir uma macieira de uma laranjeira.
– Também não! – diz de novo o rabino.
– Então, diz-nos, quando é? – perguntaram todos em coro.
E foi neste momento que – fitando neles o seu olhar amável e sério ao mesmo tempo – o mestre rabino disse:
– Vede bem! É DIA QUANDO, AO OLHARES PARA O ROSTO DE QUALQUER UM, TU RECONHECES NELE O TEU IRMÃO OU A TUA IRMÃ!… ATÉ LÁ, É AINDA NOITE NO TEU CORAÇÃO!».
Moral da história: Não é a mesma coisa tentar julgar os acontecimentos e as realidades com critérios puramente naturais (“sabedoria do intelecto”?) – como acontecia nas respostas daqueles “alunos” – ou tentar avaliar com outros critérios, espirituais (“sabedoria do coração”?) como faz “o mestre rabino”.
E na Eucaristia de hoje, logo no início da Palavra, encontramos a confirmação disto, com as palavras autorizadas, inspiradas, do Livro da Sabedoria: “Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Quem pode sondar as intenções do Senhor? Os pensamentos dos mortais são mesquinhos e inseguras as nossas reflexões, porque o corpo corruptível deprime a alma, e a morada terrestre oprime o espírito que pensa”. E continua, reconhecendo a limitação humana a nível de critérios de avaliação: “Mal podemos compreender o que está sobre a terra e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão. Quem poderá então descobrir o que há nos céus?…”. (Sb 9 / 1ª L.). Onde encontraremos, então, a chave desta «Sabedoria do coração»?
Algumas pistas e orientações, para estas últimas questões, são-nos oferecidas, também na Palavra, mas agora já em textos do Novo Testamento. E observamos que esta «Sabedoria» exige renúncias. Paulo, desde a prisão, pede ao seu amigo Filémon que seja capaz de “perdoar e aceitar o seu antigo escravo, Onésimo, como irmão” ou filho, em Cristo Jesus. (Carta a Flm / 2ª L.). E ao mesmo tempo ele, Paulo, renuncia a conservá-lo como ajuda e companhia enquanto está prisioneiro… Ou seja, que não se trata, precisamente, de uma Sabedoria do género “cor-de-rosa”, o que poderia vir sugerido pelo facto de ser “do coração”. Nem tem nada a ver, portanto, com a «literatura do coração». Longe disso!
Mas é Jesus de Nazaré, como sempre, quem nos brinda a melhor Luz de orientação, ao apresentar-nos a maior exigência. E não esqueçamos que a Sua Palavra é a Verdade mesma. Primeiro, marca o alvo, o ponto de mira, ao mostrar-nos as “renúncias” que é necessário fazer: “Jesus, voltando-Se para a grande multidão que O seguia, disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo, e não Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo»”. E parece como que isto, e tudo o mais, fica resumido nesta advertência radical, que sintetiza o anterior: “«Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo»”. Porém – após contar duas pequenas parábolas ilustrativas – ainda Ele vai concluir com outra insistência: “«Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo»”. (Lc 14 / 3ª L.).
Verdadeiramente, são estes os caminhos que deve percorrer a «Sabedoria do coração», no meio de tantas outras “sabedorias” que são… “outra história”! E fica, então, bem patente que as coisas fundamentais, e definitivas, embora sendo sempre “um dom divino”, não aparecem «por geração espontânea», mas é preciso “provocá-las e cultivá-las”, e requerem esforço nas lutas diárias.
Senhor, é preciso reconhecê-lo e agradecê-lo:
Tu és sempre o nosso refúgio e a nossa salvação,
como o foste através das gerações passadas…
E se compararmos as realidades naturais e caducas
com aquilo que, de verdade, nasce da “sabedoria divina”,
verificamos a inutilidade de apostarmos no que é efémero:
como a erva que de manhã reverdece e floresce
mas que à tarde acaba por murchar e secar;
ou como um sonho que se desvanece
no espaço de uma breve vigília da noite;
ou como o pó da terra ao qual todos voltamos;
ou à maneira de um tempo que nos parece imenso
mas que afinal tem a duração de um dia já passado…
Porém, Tu, Senhor Deus e Pai nosso,
«ensina-nos a contar atentamente os nossos dias
para chegarmos à verdadeira “Sabedoria do Coração”».
Então, ao sentirmo-nos satisfeitos desde a manhã
com a Tua bondade que nos sacia e fortalece,
estaremos alegres e exultantes todo o dia, e sempre,
apesar dos acidentes do percurso na via que transitamos.
Venha sobre nós a tua Graça, ó Deus!
Confirma, Senhor, a obra das nossas mãos!
[ do Salmo Responsorial / 89 (90) ]
2 Setembro, 2016
A «SABEDORIA DO CORAÇÃO»
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo C – Domingo 23 do Tempo Comum)
A «SABEDORIA DO CORAÇÃO»
Não deixam de ser misteriosas as palavras desta súplica, dirigida ao Senhor Deus (no Salmo 89 / Responsorial de hoje): «Ensina-nos a contar os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração». Toda a gente tem alguma ideia acerca dos vários significados do termo “sabedoria”, com aceções nos diversos campos da “cultura humana”… Se bem que não devemos esquecer o primeiro sentido, o etimológico – de raiz – (que deriva de “sapientia” – “sapere” = saborear). Mas aqui vai mais longe, é a «sabedoria do coração»!
Lembro-me muito bem (por tê-lo utilizado nas aulas) daquele “conto” de tradição judeo-cristã… cuja “moral” é mesmo radical.
«Um velho rabino lançou, uma vez, esta pergunta aos seus discípulos:
– “Está a amanhecer. Mas como é que se pode reconhecer e saber o momento em que a noite termina e começa o dia?”. Eles, depois de pensar uns instantes, respondem:
– É quando… se pode distinguir claramente, ao longe, um cão de uma ovelha.
– Não! – diz o rabino. Então eles pensam mais, e dizem:
– É quando já se pode distinguir uma macieira de uma laranjeira.
– Também não! – diz de novo o rabino.
– Então, diz-nos, quando é? – perguntaram todos em coro.
E foi neste momento que – fitando neles o seu olhar amável e sério ao mesmo tempo – o mestre rabino disse:
– Vede bem! É DIA QUANDO, AO OLHARES PARA O ROSTO DE QUALQUER UM, TU RECONHECES NELE O TEU IRMÃO OU A TUA IRMÃ!… ATÉ LÁ, É AINDA NOITE NO TEU CORAÇÃO!».
Moral da história: Não é a mesma coisa tentar julgar os acontecimentos e as realidades com critérios puramente naturais (“sabedoria do intelecto”?) – como acontecia nas respostas daqueles “alunos” – ou tentar avaliar com outros critérios, espirituais (“sabedoria do coração”?) como faz “o mestre rabino”.
E na Eucaristia de hoje, logo no início da Palavra, encontramos a confirmação disto, com as palavras autorizadas, inspiradas, do Livro da Sabedoria: “Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Quem pode sondar as intenções do Senhor? Os pensamentos dos mortais são mesquinhos e inseguras as nossas reflexões, porque o corpo corruptível deprime a alma, e a morada terrestre oprime o espírito que pensa”. E continua, reconhecendo a limitação humana a nível de critérios de avaliação: “Mal podemos compreender o que está sobre a terra e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão. Quem poderá então descobrir o que há nos céus?…”. (Sb 9 / 1ª L.). Onde encontraremos, então, a chave desta «Sabedoria do coração»?
Algumas pistas e orientações, para estas últimas questões, são-nos oferecidas, também na Palavra, mas agora já em textos do Novo Testamento. E observamos que esta «Sabedoria» exige renúncias. Paulo, desde a prisão, pede ao seu amigo Filémon que seja capaz de “perdoar e aceitar o seu antigo escravo, Onésimo, como irmão” ou filho, em Cristo Jesus. (Carta a Flm / 2ª L.). E ao mesmo tempo ele, Paulo, renuncia a conservá-lo como ajuda e companhia enquanto está prisioneiro… Ou seja, que não se trata, precisamente, de uma Sabedoria do género “cor-de-rosa”, o que poderia vir sugerido pelo facto de ser “do coração”. Nem tem nada a ver, portanto, com a «literatura do coração». Longe disso!
Mas é Jesus de Nazaré, como sempre, quem nos brinda a melhor Luz de orientação, ao apresentar-nos a maior exigência. E não esqueçamos que a Sua Palavra é a Verdade mesma. Primeiro, marca o alvo, o ponto de mira, ao mostrar-nos as “renúncias” que é necessário fazer: “Jesus, voltando-Se para a grande multidão que O seguia, disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo, e não Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo»”. E parece como que isto, e tudo o mais, fica resumido nesta advertência radical, que sintetiza o anterior: “«Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo»”. Porém – após contar duas pequenas parábolas ilustrativas – ainda Ele vai concluir com outra insistência: “«Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo»”. (Lc 14 / 3ª L.).
Verdadeiramente, são estes os caminhos que deve percorrer a «Sabedoria do coração», no meio de tantas outras “sabedorias” que são… “outra história”! E fica, então, bem patente que as coisas fundamentais, e definitivas, embora sendo sempre “um dom divino”, não aparecem «por geração espontânea», mas é preciso “provocá-las e cultivá-las”, e requerem esforço nas lutas diárias.
Senhor, é preciso reconhecê-lo e agradecê-lo:
Tu és sempre o nosso refúgio e a nossa salvação,
como o foste através das gerações passadas…
E se compararmos as realidades naturais e caducas
com aquilo que, de verdade, nasce da “sabedoria divina”,
verificamos a inutilidade de apostarmos no que é efémero:
como a erva que de manhã reverdece e floresce
mas que à tarde acaba por murchar e secar;
ou como um sonho que se desvanece
no espaço de uma breve vigília da noite;
ou como o pó da terra ao qual todos voltamos;
ou à maneira de um tempo que nos parece imenso
mas que afinal tem a duração de um dia já passado…
Porém, Tu, Senhor Deus e Pai nosso,
«ensina-nos a contar atentamente os nossos dias
para chegarmos à verdadeira “Sabedoria do Coração”».
Então, ao sentirmo-nos satisfeitos desde a manhã
com a Tua bondade que nos sacia e fortalece,
estaremos alegres e exultantes todo o dia, e sempre,
apesar dos acidentes do percurso na via que transitamos.
Venha sobre nós a tua Graça, ó Deus!
Confirma, Senhor, a obra das nossas mãos!
[ do Salmo Responsorial / 89 (90) ]