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(Ciclo C – Domingo 25 do Tempo Comum)  

O “ESPÍRITO”, ESCRAVO DA MATÉRIA?

            Iniciamos com uma outra “história”, para vermos como todo o ser humano – desde a sua mais tenra idade – “revolta-se”, a seu modo, contra qualquer forma de sujeição, domínio (“escravidão”) a que se queira submeter o seu “espírito”, a parte mais nobre da sua pessoa; que anseia, acima de tudo, preservar a Liberdade…

«Entraram os dois na maior loja de brinquedos da cidade. Era um jovem casal, que ficou a contemplar, por muito tempo, todos esses brinquedos coloridos…  Ao aproximar-se uma das empregadas, a mulher disse: – Sabe, nós temos uma menina pequena, mas passamos todo o dia fora de casa e, por vezes, até chegamos muito tarde… E o seu homem continuou: – É uma menina que sorri muito pouco. – E queríamos comprar-lhe – intervém a mulher – alguma coisa que a torne feliz, mesmo quando nós estamos ausentes; qualquer coisa que lhe dê alegria quando ela se encontra só… Então, a empregada sorriu gentilmente e disse: – «Lamento, meus senhores, mas nós aqui não vendemos pais!».

É evidente! O que pretendiam esses pais era substituir o “espírito” (o afeto materno-paterno!) pela “matéria” (os brinquedos). Mas, tentar introduzir este esquema nas relações humanas, sempre será um contra-senso; aliás, é impossível! Embora, infelizmente, seja habitual nas nossas sociedades!

Mas esta tentativa – “de manipular, e dominar, o espírito através da matéria” – já era costume naquelas Idades, tão antigas como a do profeta Amós. Aquela gente foi capaz de “inventar” a exploração dos seus semelhantes… E talvez isto aconteça já desde que o mundo é mundo. Pois naquelas Idades do AT, já existiam homens capazes de “escravizar” outros homens, utilizando as formas mais “sofisticadas” e degradantes… Quem escreve agora é o próprio Amós, em nome do Senhor: “Escutai bem, vós que espezinhais o pobre e quereis eliminar os humildes da terra. Vós dizeis: «…Aumentaremos o preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias. Venderemos até as cascas do nosso trigo». Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob: «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras»”. (Am 8 / 1ª L.). Observe-se como, com essa linguagem humana (antropológica) que já nos é familiar, o autor do texto inspirado apresenta o “desfecho” de uma situação de flagrante injustiça pelo abuso de poder… É que Senhor não suporta «a exploração do homem pelo homem»; não quer dominadores e dominados!

Convém não esquecer que o “dinheiro” (“money”) é símbolo de muita coisa (e não apenas um meio de compra-venda). E é também “responsável por tanta coisa” (boa, má ou indiferente)! Geralmente, e sobretudo no Evangelho de Jesus, “o vil dinheiro” representa o Mal («o deus Mamon»), na medida em que se opõe a Deus, que é o Amor e o Bem por essência. Daí a conclusão de Jesus: “«Não podeis servir a Deus e ao dinheiro»”. E já agora: o dinheiro – na linha evangélica – só pode e deve servir, em todo o caso, para promover o bem… “Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas… E a quem não soube ser fiel no que se refere ao vil dinheiro, não se lhe pode confiar o verdadeiro bem!”. (Lc 16 / 3ª L.). Se assim não for, quer dizer, se “o bem material” não servir para a Salvação, tudo terá acabado na lixeira (na “geena”!).

Estamos a ver que, por estas e por outras, o “espírito” vem a ser escravo da “matéria”, com a agravante de que a gente não dá por isso; aceitamos, alegremente, que a nossa parte mais nobre, o espírito, seja dominada pela matéria, a parte “fraca e vil”. Diria Jesus: “O espírito está sempre pronto mas a carne é débil”.

Que poderemos fazer nós, os que nos chamamos cristãos, discípulos de Jesus, para evitarmos e fugirmos desta “corrente”, que nos pode “prender” ou que nos pode “arrastar” até tantas formas de “escravidão”? E, ao mesmo tempo, o que é que podemos fazer, em atitude solidária, para que muitos outros dos nossos semelhantes consigam sair desses “estados de cativeiro” em que se acham?

O poder da matéria, e o que isso representa, ameaça-nos constantemente para conseguir dominar e submeter a nossa essência espiritual, com tudo o que isto supõe. Porém, contamos sempre com o poder ilimitado da oração, que tudo pode porque nos alcança a Força omnipotente de Deus, sempre “por Jesus Cristo, que Se entregou à morte pela redenção de todos”(1Tm2)… Abramo-nos, então, a todos os nossos semelhantes, necessitados de ajuda para saírem das diversas “escravidões”, a começar pelos que ostentam autoridade e governo em favor dos povos…

Paulo, na carta que escreve a um dos seus discípulos (há 20 séculos!) traça-nos um programa e um compromisso, dentro do assunto que estamos a refletir. Nada melhor do que ficarmos com os seus sábios conselhos: “Caríssimo Timóteo: Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável aos olhos de Deus, nosso Salvador; Ele quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade”. (1 Tm 2 / 2ª L.).

Tu mereces, Senhor, todo o louvor

porque a Tua glória está acima dos céus

e porque o teu trono, nas alturas, domina céu e terra…

Porém, bem sabemos – e observamo-lo cada dia –

que não é esse o louvor que Tu preferes;

que não Te agrada tanto o louvor pelas Tuas grandezas

mas pelo Teu amor e predileção pelos pequenos e simples.

Sim, ó Deus, com este Salmo de louvor,

Tu serás por sempre honrado e glorificado:

porque levantas os fracos e exaltas os humildes,

porque ergues do pó o indigente.

Serás sempre louvado e exaltado

porque Te inclinas, ó Pai, para olhar o pobre

e tirá-lo da miséria em que se encontra…

para levar todos e situá-los com os grandes do Teu Povo;

para juntá-los com os que não se deixaram vencer pela “matéria”;

com os que souberam preservar o “espírito”

e mantê-lo incontaminado de toda a “escravidão”

A Ti, Senhor, que és inimigo dos dominadores

e não suportas «o irmão que explora o irmão»…

a Ti o louvor e a glória com todos os justos e santos!

                        [ do Salmo Responsorial / 112 (113) ]