35a- «Função vicária», o que é!

 (Ciclo A – Domingo 12 -Tempo Com.)

«FUNÇÃO VICÁRIA»

Se as perseguições – e os medos – vierem da parte do “mundo”, isto é, provocados pelo Mal de que o mundo está impregnado por causa do Maligno, então, nada há a temer, pois temos a garantia de Jesus ao dizer: “No mundo tereis tribulações; mas, não tenhais medo: Eu venci o mundo!” (Jo 16,33). Bem entendido que essa perseguição de que se fala será “injusta”, já que vai só contra o bem (?) que é feito pelos seguidores de Jesus. (Porque quem fizer o mal, poderá ser perseguido e punido, justamente, pelos Tribunais públicos. Isso já não seria a perseguição injusta de que nós falamos).

Aliás, o que aconteceu a Jesus – na sua perseguição, paixão e morte de cruz – não é mais do que uma miserável e flagrante injustiça. Tanto, que muitos dos seus inimigos, até, acabaram por reconhecê-lo, e lamentá-lo, mais tarde.

Só que – e esta é a reflexão que hoje nos interessa – quer as perseguições e morte de Jesus, quer as tribulações e possíveis mortes dos seus discípulos, têm um valor substitutivo – ou «vicário» – ou seja, «em favor (ou no lugar) de outrem». Esta foi sempre a doutrina da Igreja, desde os primeiros Escritos do NT. Baste agora, como exemplo, lembrar apenas o que aparece no final da segunda leitura de hoje, na carta de Paulo, onde anteriormente estava aludindo, implicitamente, à paixão e morte na cruz, de Jesus: “O Dom contido na Graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens” (Rm 5 / 2ª L.).

Mas nesta questão das perseguições e morte, os discípulos de Jesus devem estar preparados, mentalizados, conforme Ele nos avisou: “Se me perseguiram a Mim, também vos hão de perseguir a vós. E se cumpriram a minha palavra, também hão de cumprir a vossa” (Jo 15,20). E a razão é bem simples, como o próprio Jesus aponta nessa mesma passagem: “O discípulo não pode ser mais do que o seu Mestre”.

Por isso mesmo, e tendo em atenção que Jesus já tinha “discípulos” no Antigo Testamento (!?) [até porque ELE “já existia antes de Abraão existir” (Jo 8,58)], consideramos, na Palavra de hoje, a figura de Jeremias (Jr 20 / 1ª L.), aquele grande profeta que «‘prefigura’ nitidamente o próprio Jesus». Perseguido e maltratado até à morte (parece que acabou, vítima das torturas dos seus inimigos, no desterro do Egito). É que a “figura” não podia ser nem mais nem menos do que a Pessoa que nele era “pré-figurada”. Porque, tal como Jesus de Nazaré, este profeta Jeremias também morreu nas mãos daqueles a quem tinha querido salvar, durante a difícil missão da sua longa vida, nos períodos mais conflitivos do seu país (Jr caps: 20.37.38.43.44).

E agora, calha-nos perguntar-nos: O que é que nos espera aos que queremos viver como discípulos de Jesus? Como será espectável que se processe a nossa «função ou missão vicária» no meio dos nossos concidadãos? Seremos capazes de – se for o caso – morrer por eles ou no lugar deles?

Se refletirmos com atenção no Evangelho de hoje, descobriremos como Jesus é claro e radical, mesmo quando começa por afirmar que “não tenhamos medo dos que matam o corpo mas não podem matar a alma”… Alguém poderá pensar: “Interessante conforto!». Realmente, cada qual é livre de o interpretar como entender; mas uma coisa é certa e fica bem patente nas últimas palavras de Jesus: “A todo aquele que se tiver declarado por Mim diante dos homens, também Eu Me declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus. Mas àquele que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus»”. (Mt 10 / 3ª L.). E fica evidente que a nossa missão e vocação estará sempre em função dos outros, ou no lugar dos outros. É o “mistério” do facto de termos, todos, uns para os outros, essa vocação “vicária”. Nada, aliás, mais oposto ao egoísmo que nos espreita sempre e que tenta vencer-nos!

 

Senhor, hoje vais escutar a nossa oração,

– acompanhando o salmista injustiçado –

salmista que bem podia ser o próprio Jeremias,

que Te suplica, no meio das suas perseguições,

que «o tires do lamaçal para que não se afunde»

Nós não poderíamos acudir a Ti se não soubéssemos

que a Tua Misericórdia é imensa com todos…

Porque também nós, ó Senhor e Pai bom,

temos de suportar por vezes afrontas,

cobrindo-se o nosso rosto de confusão;

tornando-nos estranhos para os nossos irmãos,

desconhecidos para a nossa família…

E, no entanto, “era o zelo da Tua casa que me devorava”,

tal como ao teu Filho Jesus em Jerusalém…

Assim, iam recaindo sobre nós, Senhor,

os insultos que eles lançavam contra Ti…

Agora entendemos a nossa vocação solidária,

a nossa difícil missão “vicária” em favor dos outros…

Seremos do grupo dos Teus humildes,

cujo coração se reanima e se alegra,

porque sempre escutas e amparas os pobres…

Louvem ao Senhor o céu, a terra e os mares!…

                        [ do Salmo Responsorial / 68 (69) ]