CONVERTIDOS… E «CHAMADOS» …

Nunca devíamos esquecer, quando escutamos ou lemos as Sagradas Escrituras – a Palavra – que, por terem sido escritas por homens e para homens, não podem deixar de utilizar, ainda que referida a Deus, uma linguagem antropológica

A primeira leitura (constituída apenas por um fragmento do extenso relato do profeta Jonas) – para além de ser no seu todo um exemplo maravilhoso de narração curiosa e divertida, à mistura com sábia ironia e fina psicologia – é um claro exemplo do uso destas “linguagens antropológicas”… Fiquemos agora apenas com o texto que nos interessa, aliás, texto conclusivo da leitura: “…Quando Deus viu as obras daquela gente e como se convertiam do seu mau caminho, desistiu do castigo com que os ameaçara e não o executou”. (Jn 3 / 1ª L.). O que importa neste caso, quer para o autor, que escreve inspirado por Deus, quer para nós, que agora o lemos ou escutamos, oxalá também inspirados por Deus… o que nos importa, digo, é observar a conversão exemplar, radical e firme deste povo de Nínive e admirar, tanto ou mais, o imediato e generoso perdão de Deus, cuja infinita misericórdia estará sempre por cima da justiça humana e divina. Mas não deixemos de prestar atenção a essa linguagem antropológica que aplicamos (escritor e leitores) a Deus… quem, como tal, “nem consegue ameaçar… nem pode desistir”; isto sim que fazemos os humanos, real e verdadeiramente. Por isso, mais uma vez, saibamos ler e interpretar a Palavra de Deus, ultrapassando sempre a literalidade e superando a estrita linguagem humana (antropológica) para descobrir o verdadeiro sentido da «Escritura Sagrada» para nós e para todos, em cada etapa da nossa vida e em cada passo da nossa existência…

Então, começando nós por realizarmos essa conversão de que nos dão claro exemplo os ninivitas, e confiados cegamente na misericórdia de Deus que estará sempre connosco, continuemos o nosso caminho “vocacional” – lembram-se? – seguindo o modelo daqueles primeiros discípulos de Jesus; sim, as tais “vocações em cadeia” que agora continuam neste evangelho de hoje. E embora os irmãos, André e Simão (Pedro), já tinham tido um prévio chamamento, vemos que, no episódio de hoje, são chamados já “definitivamente”, junto com outros dois irmãos, João e Tiago, este aparecendo pela primeira vez, certamente “arrastado” (cá está a “cadeia”) pelo seu irmão João, que já tinha estado com Jesus pelo menos aquela tarde de “feliz memória”… E, por falar em irmãos, é curioso constatar – em palavras de um autor, amigo nosso, nestes mesmos dias – que esses primeiros discípulos são chamados como sendo irmãos, porque «Está à vista: o Reino de Deus é coisa de irmãos!…».

E já sabemos – creio eu – que «toda a opção exige uma renúncia»; ou seja, para optar por alguma coisa, pelo menos em assuntos de “capital importância”, há que renunciar a outras, pelo simples facto de serem incompatíveis! Desde logo, descobrir e seguir fielmente a própria “vocação” é uma opção fundamental. E como facilmente se observa nestes primeiros discípulos (depois apóstolos), eles hão de “renunciar” a coisas (os seus bens/“as redes…”) e “renunciar” a pessoas (a sua família/“seu pai). “Eles (Simão e André) deixaram logo as redes e seguiram Jesus… Por seu lado, Tiago e João “deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus”. (Mc 1 / 3ª L.). Todos eles, portanto, tiveram de “cortar laços” velhos para “criar laços” novos… É que os laços que cria este mundo são “passageiros”… porque o tempo de duração das coisas visíveis é finito e “breve”… É exatamente o aviso perentório e decisivo que nos deixa, por seu lado, S. Paulo: “O que tenho a dizer-vos, irmãos, é que o tempo é breve… De facto, o cenário deste mundo é passageiro”. (1 Cor 7 / 2ª L.).

E é curioso que – falando em Paulo – também ele, para afiançar a “sua conversão”, entrou “na corrente” destas vocações “em cadeia”. Ele próprio descreve-o na sua Carta aos Gálatas, onde diz “que subiu a Jerusalém, ter com os que eram naquela altura ‘as colunas’ da Igreja”… para certificar (!) a sua vocação e missão. Sabemos que, entre estas “colunas” estavam Pedro, João e Tiago… (Gl 1, 18 e 2, 9). Quer isto dizer que aquela “cadeia vocacional” teve continuidade no «apóstolo das gentes», Paulo (antes Saulo)… e, assim, em todos os outros discípulos… entre os quais devemos estar nós todos…

 

Mostra-me, Senhor, os Teus caminhos,

ensina-me as Tuas veredas,

para que eu encontre a Tua verdade:

essa verdade que é o Teu sonho, de Pai,

o plano de amor que Tu tens sobre mim…

Que eu saiba escutar o Teu “apelo”,

a “vocação pessoal” que me diriges, ó Deus,

para a minha realização e felicidade plena…

Confiado na Tua infinita misericórdia,

– e porque ensinas aos pecadores o caminho –

quero mudar o que está errado na minha vida,

esses passos que se desviam do Teu Amor,

e assim iniciar uma conversão radical e profunda…

Então, Senhor, seguirei com humildade a vocação,

aquele Teu plano de amor para mim,

porque Tu orientas sempre os humildes na justiça,

por causa da Tua bondade e fidelidade

e porque as Tuas graças e dons são eternos!

       [ do Salmo Responsorial / 24 (25) ]