«É MILÍCIA A VIDA DO HOMEM…»

Sim, desta vez, vamos utilizar uma linguagem bélica. E falamos numa “milícia” que não é a das armas convencionais nem a das outras sofisticadas, com as quais os homens (“militares” ou não) fazem (fazemos) continuamente as guerras… Parece como que estivéssemos empenhados, através de toda a história humana, em “aniquilarmo-nos”, uns aos outros, fazendo troça (e triste realidade) daquele aviso de Jesus: “Quem usa espada, à espada morrerá” (Mt 26, 52). Ou, por outras palavras, talvez mais conhecidas, «violência gera violência» até originar isso que chamamos “a espiral da violência”, que já é tão difícil de parar!… Aliás, nisto das violências nas guerras, temos chegado, nos tempos que correm, a aberrações bélicas tão tristes e lamentáveis como o recrutamento de crianças para pegar em armas (“mercenários infantis para a guerra”), ou para as transformar em “pequenas bombas humanas” nessas estúpidas imolações terroristas… Meu Deus, quem será capaz de parar esta “espiral”?…

Mas a outra “milícia”, essa de que fala a Palavra de hoje no Livro de Job, é de distinto género; a violência que aqui subjaz está numa outra dimensão; aponta na direção e sentido daquela afirmação inesperada (desconcertante?) de Jesus: “O Reino do Céu é objeto de violência, e os violentos apoderam-se dele à força” (Mt, 11, 12). Ou então, aquela outra – tão perturbadora, porque é Jesus a falar em primeira pessoa –: “Não penseis que eu vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10, 34). Não se trata, portanto, da “violência material bruta”, mas da violência do espírito, aquela que, desde o nosso íntimo, fazemos a nós próprios – livre e voluntariamente! – para “dominar” os nossos baixos instintos e/ou nefastas tendências

Pois é nesta dimensão, e não noutro sentido, que a “personagem” de Job – no meio dos trabalhos e sofrimentos de uma já longa vida – chega a esta “conclusão” em jeito de questão e desabafo: “Job tomou a palavra, dizendo: «Não vive o homem sobre a terra como um soldado? Não são os seus dias como os de um mercenário?”…(Jb 7 / 1ª L.). Trata-se, então, dessa afirmação que interpela: «É “MILÍCIA” A VIDA DO HOMEM SOBRE A TERRA». Nem falar, portanto, aquela «paz dos cemitérios», que Jesus não veio trazer. Não é aquela paz que deixa de fazer a guerra interior (evangélica) essa que, ao vencer o nosso egoísmo, nos transforma e cria fraternidade. Porque esta outra falsa paz – à que aderem muitos, infelizmente – só pode trazer e traz guerras fratricidas, que apenas e só alargam e multiplicam – isso mesmo – «os cemitérios» e a sua paz mortiça… Estes, sim, são os que acabam por fazer suas as palavras do poeta: «Somente acredito na paz dos sepulcros»!

Apostar, porém, na “milícia” de Deus, significa estarmos comprometidos na luta diária para conseguirmos vencer todos os “espíritos do mal”, verdadeiros e únicos inimigos da nossa vida e salvação. Ou seja, ficarmos alistados e incorporados no “exército” de Cristo Jesus, o único “capitão” capaz de vencer todos os «espíritos malignos»: “Jesus… expulsou muitos demónios. Mas não deixava que os demónios falassem, porque sabiam quem Ele era… E andava por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios”. (Mc 1 / 3ª L.).

“Lutar nas hostes” de Deus quer dizer, portanto, combater – no “bom combate” que diria S. Paulo – sobretudo contra aquelas nossas baixas paixões e más inclinações… mesmo que, por vezes, seja preciso perdermos alguma “batalha”, mas tendo sempre a certeza de que ganhamos a “guerra”!

Participar nas “batalhas” do Deus dos Exércitos – ao invés do que se entendia no AT – significa arriscarmos em “sair do nosso egocentrismo” para trabalharmos, de preferência, na salvação dos outros. Exatamente como fazia Paulo, quem desde há tanto tempo, já nos convidava a seguirmos o seu exemplo: “Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível… Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho…” (1 Cor 9 / 2ª L.).

 

Senhor, a Ti elevamos o nosso louvor

porque é bom cantar as Tuas fortalezas,

as Tuas grandes pequenezes, ó Pai,

a Tua omnipotência de ternura:

é agradável e justo celebrar a Tua Glória

Deus pequeno, Deus imenso – …

Também nós, nas nossas lutas diárias,

não confiamos no vigor do cavalo

nem na força dos outros guerreiros

mas confiamos na força do Teu Espírito,

na energia interior que dá vigor à alma,

para vencermos os inimigos da nossa salvação…

Sabemos que Te são agradáveis

os que confiam no Teu Amor, Senhor,

que preferes os humildes do povo

e estás sempre com os pobres

para os confortar e enriquecer…

Nós queremos ser congregados por Ti,

sempre que nos acharmos dispersos

pelo fragor das batalhas de cada dia…

Que, então, os Teus dedos de Pai bondoso

liguem as feridas de cada batalha

e sarem os corações dilacerados

         [ do Salmo Responsorial / 146 (147) ]