«IMPURO! IMPURO!»

Não é que os leprosos daquela época mais antiga, nem os do tempo de Jesus, tivessem de lançar este «grito» só por causa da sua enfermidade repugnante, a lepra, de que eram vítimas. Se fosse apenas por esta razão, até poderia ser compreensível e “desculpável”. Mas de facto, como vamos ver, o objeto e motivo desta imposição acabou por ser muito mais “fundo” e, desde logo, perfeitamente deturpado. O que lemos na primeira leitura, do livro do Levítico – o mais antigo “livro das leis” – é isto: “«…O leproso com a doença declarada usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho, cobrirá o rosto até ao bigode e gritará: ‘Impuro, impuro!’. Todo o tempo que lhe durar a lepra, deve considerar-se impuro e, sendo impuro, deverá morar à parte, fora do acampamento»” (Lv 13 / 1ª L.). Reparemos que, nestas breves palavras do texto citado, aparece o termo “impuro” até quatro vezes. E sabemos que esta “impureza” foi depois considerada, indo mais além da própria doença física, como uma “impureza legal” ou, mais ainda, até como “impureza moral e religiosa”… Era equivalente a uma espécie de “excomunhão”, pois outro coisa não quer dizer aquela sentença conclusiva: “e deverá morar à parte, fora do acampamento (ou comunidade)”. É verdade que, no tempo de Moisés, a primeira finalidade deste preceito era evitar o contágio entre o povo, ou seja, promover a higiene e saúde; mas também é certo que, com o passar do tempo, a lei foi “degenerando”… até que, em tempo de Jesus, era isso mesmo, uma espécie de “hipocrisia”. De tal modo que, em vários outros lugares do Evangelho escrito por Marcos, Jesus ficará indignado contra os que defendem esta “deturpação da lei”, pois acusavam os seus discípulos de: “comer com mãos impuras, isto é, por lavar”; de “não obedecer a tradição e tomar alimento com as mãos impuras”… Jesus começa por esclarecer: “Não é o que entra no homem que o pode tornar impuro. O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro…”. E logo vem a denúncia direta e terrível: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim»”. (Mc 7). Na verdade, para Jesus de Nazaré, as coisas são entendidas e confrontadas inversamente: o que para “eles” é considerado “impuro”, coisas que vêm do exterior (alimentos, mãos por lavar, doenças diversas… tal como a “lepra”) para Jesus “não contam” quanto à impureza legal e demais. Para Jesus, porém, há uma outra “impureza” que suja e mata o homem, aquela que, precisamente, “não conta” para fariseus e companhia ilimitada… É exatamente esta, a impureza (a do “afastamento do coração” ou frieza do espírito) que há de ser combatida para não ter de escutar a Palavra do Senhor: “…Mas o seu coração está longe de mim”.

Quer isto dizer que (no Evangelho de hoje, cujo narrador é também o evangelista Marcos) a conduta de Jesus perante o leproso que vem pedir-Lhe a cura, vai ser totalmente diferente dessas posturas hipócritas ou farisaicas. “Veio ter com Jesus um leproso. Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe: «Se quiseres, podes curar-me». Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse: «Quero: fica limpo». No mesmo instante o deixou a lepra e ele ficou limpo.”… (Mc 1 / 3ª L.). Aqui vemos, na verdade, que Jesus, ao limpar este homem da sua lepra – passando por cima da «lei do afastamento» pois até chega a tocá-lo – demonstra a todos que não existe qualquer outra impureza nesse homem, para além da própria lepra. E, desde logo, aquele homem ficou liberto, pela compaixão e vontade de Jesus, de toda aquela pesada carga legal que suportava.

Vale a pena perguntarmo-nos, como conclusão da nossa reflexão: Qual deverá ser, nesta questão, a nossa atitude perante aquilo que, na presente sociedade que nos envolve, é percebido como ‘puro’ ou ‘impuro’, ‘bom’ ou ‘mau’, ‘lícito’ ou ‘ilícito’… politicamente ‘correto’ ou ‘ incorreto’? Será que vamos seguir a corrente hipócrita dos “modernos fariseus” que continuam a apostar no exterior, na ‘imagem’, na ‘moda’… – “purezas legais” de todos os matizes! – ou será que deveremos apostar no exemplo de Cristo Jesus? S. Paulo, desde que conheceu Jesus, tomou o partido da Verdade e da transparência, e, em coerência, se atreve a exortar-nos: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”. (1 Cor 10 / 2ª L.).

 

Tu, Senhor, que és o nosso refúgio,

dá-nos a alegria da Tua Salvação,

alegria e felicidade de quem foi perdoado,

o gozo de quem foi defendido dos perigos…

Eu quero ser, ó Pai, do número dos Teus fiéis,

em cujo espírito não entra o engano,

porque apostam na pureza genuína

e evitam o contágio das “purezas (i)legais”…

Quero ser do grupo da gente sincera,

que não escondem a sua culpa, ó Deus,

mas confessam, na verdade, o seu pecado,

e sentem logo o Teu perdão paternal.

Que eu saiba, Senhor, estar próximo

daqueles que sofrem doenças corporais

enquanto são puros e limpos de alma…

Mas ilumina, Senhor, todos os que vivem

– envolvidos por disfarces de aparências

a pensar que são do partido “dos puros”…

«Que, à nossa volta, só haja hinos de vitória,

pois são os justos que vivem alegres no Senhor,

e só exultam de alegria os retos de coração!».

       [ do Salmo Responsorial / 31 (32) ]