NO ALTO DO «MONTE»…

Muita gente sente «vertigens das alturas». Isto parece ter uma explicação natural, pelo facto de, aí, não acharmos aqueles “apoios” que nos dão segurança… Pelo contrário, não é normal sentirmos “vertigens” estando cá em baixo, neste chão que nos dá sensação de firmeza e seguridade. Será que fomos feitos para «aves de curral» em vez de «águias de altos voos»?

Contudo, Deus nosso Pai, parece agir ao invés. Sempre que realiza «acontecimentos salvíficos», manifesta uma espécie de relutância “instintiva” para os lugares “inferiores”… e sente predileção e uma “atração imensa” pelos «altos lugares». E não apenas quando se trata de realidades gloriosas que causam gozo e alegria… mas também naquelas outras que significam sacrifício redentor, libertador, mesmo que doam e magoem. Deveremos nós seguirmos a atitude e conduta do nosso Pai Deus?

Quando o Senhor Javé pediu a Abraão o sacrifício do próprio filho Isaac, indicou-lhe um monte, no lugar de Moriá. “Naqueles dias, Deus quis pôr à prova Abraão e chamou-o: «Abraão!». Ele respondeu: «Aqui estou!». Deus disse: «Toma o teu filho, o teu único filho, a quem tanto amas, Isaac, e vai à terra de Moriá, onde o oferecerás em holocausto, num dos montes que Eu te indicar»…” (Gn 22 / 1ª L.). E é bom termos em atenção que este “episódio” do AT não é mais do que uma “figura” ou imagem simbólica – um «sentido pré-figurado» – daquele verdadeiro acontecimento que teria a sua realização, no futuro, num outro monte: o Sacrifício de Jesus de Nazaré, crucificado e morto no Monte Calvário. Com a diferença essencial de que, no episódio do filho Isaac, Deus poupou-o e deteve a sua morte; enquanto que no caso do Seu Filho Jesus, não foi assim. É o próprio Paulo que no-lo recorda hoje, na sua carta aos romanos: “Se Deus está por nós, quem estará contra nós? Deus, que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou à morte por todos nós, como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas?… Quem condenará os eleitos de Deus? Jesus Cristo, que morreu e, mais ainda, ressuscitou, está à direita de Deus e intercede por nós?” (Rm 8 / 2ª L.).

E quando se trata de acontecimentos gloriosos, a constante é a mesma. Aí estão os Montes: da Ascensão, das Bem-aventuranças, da Transfiguração… O Evangelho de hoje descreve-nos o episódio deste último monte: “Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu só com eles para um lugar retirado num alto monte e transfigurou-Se diante deles…” (Mc 9). E ficou bem registado que o lugar afastado era “num alto monte”. Era evidente que, naquele sítio, estava-se tão perto de Deus, tão envolvido pelo encanto da Sua divina presença, que uma das testemunhas, Pedro, não sabe já o que está dizer: “«Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas…” (Mc 9 / 3ª L.). Mal podia imaginar o nosso bom Pedro que, para chegar a este Monte da Transfiguração e ser glorificado, antes será necessário subir até ao cimo de outros montes, principalmente o Monte do Calvário, seguindo em fidelidade, cada um com a sua cruz, o percurso da Paixão e Morte do Mestre, Cristo Jesus. Porque, não o esqueçamos, a Ressurreição aconteceu no mesmo Monte da Cruz (onde estava o sepulcro)!

Está bem claro que existe em nós uma «tendência para as Alturas», e que devemos então descobrir essa força instintiva do nosso interior, que ultrapassa e supera todas as “vertigens”: a certeza de que, nos cumes das montanhas, nos cimos mais elevados, estaremos sempre mais perto de Deus. Será assim?

Fiquemos então com o aviso terminante e decisivo do Pai de Jesus, nesta cena do cimo deste monte, também denominado «monte Tabor»: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O!». Bem entendido que “escutar o Filho Jesus” significa, antes de mais, imitar a sua Vida, após ter escutado a sua Palavra.

 

Quero caminhar na terra dos vivos,

na tua presença, Senhor, meu Deus.

E para estar sempre mais perto de Ti,

desde a minha pequenez e humildade

– pois sinto-me filho da Tua serva

subirei os montes das Tuas Alianças

onde se realizam os mistérios da Salvação:

os montes dos sacrifícios libertadores,

levando a minha cruz atrás de Jesus,

nas diversas formas de paixão e de morte…

Subirei também os montes luminosos,

onde a Tua Luz e Presença salvíficas

me envolvem e me “transfiguram”…

para escutar a Tua voz, ó Pai, a dizer-me:

«Tu és o meu filho muito amado!».

Nos montes da treva e nos montes da luz,

hei de confiar sempre em Ti, Senhor,

porque sei que a morte dos Teus fiéis

é preciosa e magnífica aos Teus olhos…

E esta vida presente, fruto do Teu Amor,

que se prolongará numa Vida sem fim,

quero que, desde já, seja um hino de louvor

e de eterna gratidão pelo Teu Amor infinito!

         [ do Salmo Responsorial / 115 (116) ]