
(Ciclo C – Domingo 28 do Tempo Comum)
LEMBRA-TE, Ó HOMEM! [«MEMENTO, HOMO»]
O texto bíblico que nos aparece na primeira leitura, não deixa de ser interessante, e curioso num certo sentido.
Logo de ter sido curado da lepra, pelo poder divino de Javé através do seu profeta Eliseu, o general sírio Naamã disse ao profeta (quem previamente não tinha querido aceitar “o seu presente” de agradecimento): “«Se não aceitas, permite ao menos que se dê a este teu servo uma porção de terra para um altar, tanto quanto possa carregar uma parelha de mulas, porque o teu servo nunca mais há de oferecer holocausto ou sacrifício a quaisquer outros deuses, mas apenas ao Senhor, Deus de Israel»”. (2 Rs 5 / 1ª L.). A primeira coisa que chama a atenção é o facto de se tratar de um general que vivia no país da Síria, cuja capital era Damasco (nome que aparece no mesmo capítulo 5, anteriormente). Será que isto não nos diz nada? Já repararam que estes dois nomes (Síria e Damasco) aparecem, na atualidade, tantas vezes repetidos pelos meios de comunicação, infelizmente ligados aos piores conflitos bélicos?… E trata-se dos mesmos territórios (conservando até os nomes) após três mil anos de aquela época, mesmo antiga, em que se situa a história dos profetas Elias e Eliseu! Não deixa de ser curioso e paradoxal, não é verdade?…
Pois, partindo desta «realidade terreal e térrea», vamos ao que interessa! Então, que pode significar essa “carrada de terra”, capaz de ser transportada por “uma parelha de mulas”? E qual seria o sentido de – sobre essa “terra” – construir um altar, em território estrangeiro, para adorar o verdadeiro deus de Israel, Javé Deus? É que “a terra” de um país qualquer, naquela altura, podia representar o mais sagrado e o mais querido da gente desse país… E era tradição, naquelas antigas eras, que, só construindo um altar sobre essa “terra sagrada”, era possível “adorar o Deus Verdadeiro de Israel” (em palavras de Naamã) mesmo que fosse num país forasteiro.
Isto quer dizer que o ser humano está fundido e confundido, até certo ponto, com a própria “terra, da qual ele foi formado” (Gn 2, 7). Realidade que nunca deve ser esquecida: [«Memento, homo…» / “Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó hás de te converter!” (da liturgia: “antigo rito das Cinzas”)]. Mas este facto de o ser humano sentir-se “agarrado à terra”, como que formando parte dessa «matéria bioquímica», não é, não deve ser um “peso negativo”. Ao invés, deve ter o significado e sentido positivo de ajudar o “espírito”, essa «parte nobre e imortal» que integra a nossa pessoa humana, para “o tal desprendimento progressivo da matéria”, através de uma contínua dinâmica e disciplina de “libertação” e purificação, o contrário de se deixar aprisionar e escravizar pelo componente material… É isso mesmo que quis significar Eliseu quando recusou os “bens materiais” pela cura efetuada: “Eliseu respondeu a Naamã: «Pela vida do Senhor que eu sirvo, nada aceitarei». E apesar das insistências, ele recusou” (2 Rs 5 / 1ª L.). Aquele profeta de Javé tinha bem claro que a aceitação de “presentes” materiais, a troco de dons ou favores “espirituais”, era uma maneira de, o espírito ficar submetido à matéria, perdendo assim a sua genuína “liberdade interior”. Aprendamos nós, como Eliseu, a libertar-nos da “terra” que somos!
Ou seja, que se nós não quisermos, se o não consentirmos, as forças materiais nunca poderão submeter as “realidades espirituais”. E mais, algumas destas, por si só, são como que “inexpugnáveis, indomáveis” e nunca será possível serem vencidas nem “domesticadas” por agentes materiais. Tal é o caso da própria “Palavra divina”, contida na Bíblia e transmitida pelos “evangelizadores” de todos os tempos, e que ninguém poderá “encadear”. O apóstolo Paulo tinha larga experiência disto, quando escreve, desde a cadeia e já perto do fim da “sua carreira”, ao seu discípulo e amigo Timóteo: “Caríssimo: Lembra-te de que Jesus Cristo, descendente de David, ressuscitou dos mortos, segundo o meu Evangelho, pelo qual eu sofro, até ao ponto de estar preso a estas cadeias como um malfeitor. Mas a palavra de Deus não está encadeada”. (2 Tm 2 / 2ª L.). Decerto, a Palavra permanecerá sempre Livre!
Em consequência, a nossa atitude e conduta deverá encontrar e seguir um modelo que nos guie e oriente nestes tempos conturbados, que são os nossos, onde abundam os «profetas da matéria e do consumismo», que ao mesmo tempo “ignoram, desterram, marginalizam” os «descartáveis» (em expressão do nosso Papa Francisco), isto é, todos queles nossos semelhantes, “irmãos”, que não interessam ou “complicam os seus negócios”… E é aqui que nos aparece o exemplo de Jesus de Nazaré com o Seu proceder – amável mas radical! – perante aqueles doentes, portadores da mais repelente das enfermidades, e a quem a sociedade segregava, «descartava»: “Ao entrar numa povoação, vieram ao Seu encontro dez leprosos. Conservando-se à distância, disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós» (…) Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto em terra aos pés de Jesus, para Lhe agradecer. Era um samaritano”. (Lc 17 / 3ª L.). Admirável atitude de Jesus a respeito dos “prostrados de rosto (e de corpo) em terra”! Será que nós seremos capazes de seguir, imitar, este exemplo de Jesus? – Certamente, a Sua Graça não nos vai faltar!
Senhor, embora seja também incompreensível para nós
o facto de nos sentirmos colados à terra, moldados de barro…
mesmo assim, quem pode perguntar ao seu Criador:
«Como é que nos fizeste deste jeito e maneira?
Porque é que nos carregaste com este fardo pesado?
Não seria preferível, apenas e só, um espírito leve e livre?»…
Sabemos, porém, ó Pai, que esta nossa “situação pesada”
faz-Te lembrar a Tua bondade e fidelidade para connosco;
e a Tua compaixão cresce, à vista da nossa fraqueza…
E ao aceitarmos também “este mistério” que nos transcende
– mas que não irá mais além de uma vida terrena e temporal –
estamos certos que assim é melhor para a nossa salvação,
pois tudo o que Tu fazes não deixa de ser maravilhoso…
Por isso, não questionamos nem pomos em dúvida que,
«na Tua Criação, tudo o que Tu fizeste é muito bom»
mesmo que, às vezes, a nossa mente o não compreenda…
Mas – no meio disto e por cima de tudo, Senhor –
não permitas que nos deixemos dominar por essa matéria;
que nunca os corpos submetam os espíritos!…
Pai, contamos sempre com a Tua graça e amizade
para, livres «em espírito e em verdade» e junto com a Criação,
podermos louvar-Te com um cântico novo de gratidão
pelas maravilhas que opera a Tua mão e o Teu santo braço…
Pois é assim como se processa a redenção de todos os povos,
até que os confins da terra vejam a Tua Salvação!
[ do Salmo Responsorial / 97 (98) ]
7 Outubro, 2016
LEMBRA-TE, Ó HOMEM! [«MEMENTO, HOMO»]
Luis López A Palavra REFLETIDA 0 Comments
(Ciclo C – Domingo 28 do Tempo Comum)
LEMBRA-TE, Ó HOMEM! [«MEMENTO, HOMO»]
O texto bíblico que nos aparece na primeira leitura, não deixa de ser interessante, e curioso num certo sentido.
Logo de ter sido curado da lepra, pelo poder divino de Javé através do seu profeta Eliseu, o general sírio Naamã disse ao profeta (quem previamente não tinha querido aceitar “o seu presente” de agradecimento): “«Se não aceitas, permite ao menos que se dê a este teu servo uma porção de terra para um altar, tanto quanto possa carregar uma parelha de mulas, porque o teu servo nunca mais há de oferecer holocausto ou sacrifício a quaisquer outros deuses, mas apenas ao Senhor, Deus de Israel»”. (2 Rs 5 / 1ª L.). A primeira coisa que chama a atenção é o facto de se tratar de um general que vivia no país da Síria, cuja capital era Damasco (nome que aparece no mesmo capítulo 5, anteriormente). Será que isto não nos diz nada? Já repararam que estes dois nomes (Síria e Damasco) aparecem, na atualidade, tantas vezes repetidos pelos meios de comunicação, infelizmente ligados aos piores conflitos bélicos?… E trata-se dos mesmos territórios (conservando até os nomes) após três mil anos de aquela época, mesmo antiga, em que se situa a história dos profetas Elias e Eliseu! Não deixa de ser curioso e paradoxal, não é verdade?…
Pois, partindo desta «realidade terreal e térrea», vamos ao que interessa! Então, que pode significar essa “carrada de terra”, capaz de ser transportada por “uma parelha de mulas”? E qual seria o sentido de – sobre essa “terra” – construir um altar, em território estrangeiro, para adorar o verdadeiro deus de Israel, Javé Deus? É que “a terra” de um país qualquer, naquela altura, podia representar o mais sagrado e o mais querido da gente desse país… E era tradição, naquelas antigas eras, que, só construindo um altar sobre essa “terra sagrada”, era possível “adorar o Deus Verdadeiro de Israel” (em palavras de Naamã) mesmo que fosse num país forasteiro.
Isto quer dizer que o ser humano está fundido e confundido, até certo ponto, com a própria “terra, da qual ele foi formado” (Gn 2, 7). Realidade que nunca deve ser esquecida: [«Memento, homo…» / “Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó hás de te converter!” (da liturgia: “antigo rito das Cinzas”)]. Mas este facto de o ser humano sentir-se “agarrado à terra”, como que formando parte dessa «matéria bioquímica», não é, não deve ser um “peso negativo”. Ao invés, deve ter o significado e sentido positivo de ajudar o “espírito”, essa «parte nobre e imortal» que integra a nossa pessoa humana, para “o tal desprendimento progressivo da matéria”, através de uma contínua dinâmica e disciplina de “libertação” e purificação, o contrário de se deixar aprisionar e escravizar pelo componente material… É isso mesmo que quis significar Eliseu quando recusou os “bens materiais” pela cura efetuada: “Eliseu respondeu a Naamã: «Pela vida do Senhor que eu sirvo, nada aceitarei». E apesar das insistências, ele recusou” (2 Rs 5 / 1ª L.). Aquele profeta de Javé tinha bem claro que a aceitação de “presentes” materiais, a troco de dons ou favores “espirituais”, era uma maneira de, o espírito ficar submetido à matéria, perdendo assim a sua genuína “liberdade interior”. Aprendamos nós, como Eliseu, a libertar-nos da “terra” que somos!
Ou seja, que se nós não quisermos, se o não consentirmos, as forças materiais nunca poderão submeter as “realidades espirituais”. E mais, algumas destas, por si só, são como que “inexpugnáveis, indomáveis” e nunca será possível serem vencidas nem “domesticadas” por agentes materiais. Tal é o caso da própria “Palavra divina”, contida na Bíblia e transmitida pelos “evangelizadores” de todos os tempos, e que ninguém poderá “encadear”. O apóstolo Paulo tinha larga experiência disto, quando escreve, desde a cadeia e já perto do fim da “sua carreira”, ao seu discípulo e amigo Timóteo: “Caríssimo: Lembra-te de que Jesus Cristo, descendente de David, ressuscitou dos mortos, segundo o meu Evangelho, pelo qual eu sofro, até ao ponto de estar preso a estas cadeias como um malfeitor. Mas a palavra de Deus não está encadeada”. (2 Tm 2 / 2ª L.). Decerto, a Palavra permanecerá sempre Livre!
Em consequência, a nossa atitude e conduta deverá encontrar e seguir um modelo que nos guie e oriente nestes tempos conturbados, que são os nossos, onde abundam os «profetas da matéria e do consumismo», que ao mesmo tempo “ignoram, desterram, marginalizam” os «descartáveis» (em expressão do nosso Papa Francisco), isto é, todos queles nossos semelhantes, “irmãos”, que não interessam ou “complicam os seus negócios”… E é aqui que nos aparece o exemplo de Jesus de Nazaré com o Seu proceder – amável mas radical! – perante aqueles doentes, portadores da mais repelente das enfermidades, e a quem a sociedade segregava, «descartava»: “Ao entrar numa povoação, vieram ao Seu encontro dez leprosos. Conservando-se à distância, disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós» (…) Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto em terra aos pés de Jesus, para Lhe agradecer. Era um samaritano”. (Lc 17 / 3ª L.). Admirável atitude de Jesus a respeito dos “prostrados de rosto (e de corpo) em terra”! Será que nós seremos capazes de seguir, imitar, este exemplo de Jesus? – Certamente, a Sua Graça não nos vai faltar!
Senhor, embora seja também incompreensível para nós
o facto de nos sentirmos colados à terra, moldados de barro…
mesmo assim, quem pode perguntar ao seu Criador:
«Como é que nos fizeste deste jeito e maneira?
Porque é que nos carregaste com este fardo pesado?
Não seria preferível, apenas e só, um espírito leve e livre?»…
Sabemos, porém, ó Pai, que esta nossa “situação pesada”
faz-Te lembrar a Tua bondade e fidelidade para connosco;
e a Tua compaixão cresce, à vista da nossa fraqueza…
E ao aceitarmos também “este mistério” que nos transcende
– mas que não irá mais além de uma vida terrena e temporal –
estamos certos que assim é melhor para a nossa salvação,
pois tudo o que Tu fazes não deixa de ser maravilhoso…
Por isso, não questionamos nem pomos em dúvida que,
«na Tua Criação, tudo o que Tu fizeste é muito bom»
mesmo que, às vezes, a nossa mente o não compreenda…
Mas – no meio disto e por cima de tudo, Senhor –
não permitas que nos deixemos dominar por essa matéria;
que nunca os corpos submetam os espíritos!…
Pai, contamos sempre com a Tua graça e amizade
para, livres «em espírito e em verdade» e junto com a Criação,
podermos louvar-Te com um cântico novo de gratidão
pelas maravilhas que opera a Tua mão e o Teu santo braço…
Pois é assim como se processa a redenção de todos os povos,
até que os confins da terra vejam a Tua Salvação!
[ do Salmo Responsorial / 97 (98) ]