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(Ciclo [A-B-C] – Os Fiéis Defuntos  –  02-novembro)

«NADA SE ANIQUILA, TUDO SE TRANSFORMA»

A fé cristã nos ensina que o percurso da nossa vida é infindável, não admite final, embora tenha de passar por alguma “metamorfose”. Quantas vezes, penso naquele princípio universal da «ciência termodinâmica», aplicado ao mundo da matéria e da física, mas que parece ter uma outra confirmação mais original nesta nossa dimensão do mundo imaterial do espírito: «Nada se “cria”(?) e nada se “aniquila”, tudo se transforma»!…

E aquela mesma fé cristã nos informa e avisa de algo que, por sua vez, parece lógico: Existe uma fase ou estado intermédio, nesse mesmo percurso infinito da nossa vida, onde deverá acontecer – quando necessário – uma espécie “de purificação, ou de poda, ou de higiene, ou…”, que ajude a regenerar e revitalizar essa vida que deve continuar numa outra dimensão... O povo simples (“os pequeninos” do Evangelho) chama “Purgatório” a este estado transitório, embora a denominação é também acidental. Em todo o caso, a intuição do povo pressentiu sempre esse espaço de tempo (quando “o tempo” já não existe – eis uma outra ironia do Mistério!) onde as almas (as “pessoas”) ficam como que “retidas” até concluir a sua regeneração… Porque, “nada se aniquila, tudo se transforma!”.

É compreensível que aqueles outros que se julgam “sábios e inteligentes” não sejam capazes de entender e aceitar estas realidades, talvez por elas estarem envolvidas nessa névoa “de morte”, que, aliás, a todos nos atinge naturalmente. Mas o Evangelho de hoje proclama nitidamente: “«Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado…»”(Mt 11). E, como se vê, é o próprio Jesus que bendiz o Pai, cheio de alegria, pelo facto de as coisas serem assim e não ao invés. É que, desse modo, ninguém pode acusar a Deus de revelar as suas verdades só a quem «está bem preparado», ficando assim vedadas e veladas para muitos, incapazes de atingir aqueles “níveis de sabedoria ou inteligência”. Mas o Pai Deus aproxima-se de todos e sempre pelos caminhos mais fáceis, que são os mais simples e humildes. E o faz através do seu Filho Jesus: “«Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve»”. (Mt 11 / 3ª L.).

Voltemo-nos então para Jesus quando – naturalmente – nos aflija o pensamento da morte e esse estado intermédio de purificação que a envolve. Agarremo-nos a esse Jesus Salvador que nunca poderá impor algo pesado, mas antes um “jugo suave e uma carga leve”.

E confiemos plena e firmemente neste Jesus Redentor, como fazia aquele santo Job, ainda em tempos remotos, quando a fé no Além era apenas uma obscura névoa. Pois ele, precisamente quando estava a passar pelos momentos mais difíceis de confronto com o cenário da morte, exclama confiado e firme (embora numa linguajem que nos pode parecer ainda imperfeita: “«Eu sei que o meu Redentor está vivo e no último dia Se levantará sobre a terra. Revestido da minha pele, estarei de pé; na minha carne verei a Deus. Eu próprio O verei, meus olhos O hão de contemplar»”. (Jb 19 / 1ª L.).

Mas hoje, é o apóstolo Paulo – porque enamorado de Jesus e do seu Evangelho – que nos oferece as melhores “chaves de interpretação” desta «pavorosa passagem» pelo túnel de uma morte apenas material (a “do homem exterior”)… bem como das etapas anteriores que dela nos aproximam. “Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando, o homem interior vai-se renovando de dia para dia. Porque a ligeira aflição dum momento prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória”. E, neste caminho da vida, convém não confundirmos as coisas, para dar importância só ao que é importante! “Não olhamos para as coisas visíveis, olhamos para as invisíveis: as coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas” (2 Cor 4). «O essencial é invisível aos olhos» (diria  A. de S. Exupéry).

Se tivermos bem claro e firme o futuro que nos espera, então, o presente (assumindo o passado) tem outro sentido e valor. E eis o nosso destino futuro: “Sabemos, irmãos, que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará para junto d’Ele”. Como consequência, já não conseguirá afligir-nos a lenta mas inexorável “desagregação e degradação” da matéria que nos envolve, porque isso vem a ser, apenas, «exigência do guião» da tal Transformação. “Bem sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos Céus uma habitação eterna, que é obra de Deus e não é feita pela mão dos homens”. (2 Cor 4 / 2ª L.).

 

É difícil, Senhor, não obstante a minha fé,

aceitar a realidade crua e dura da morte…

É verdade que posso proclamar, com o Salmista:

Tu és, Senhor, a minha luz e salvação,

será que eu hei de temer a alguém?

Tu és o protetor da minha vida:

de quem é que eu posso ter medo?…

Uma coisa Te peço, Senhor, por ela anseio:

que eu consiga viver na Tua presença

todos os dias desta minha vida terrena,

para um dia visitar o Teu Santuário

e habitar para sempre na Tua Casa;

para gozar da Tua suavidade, Senhor…

Bem conheces as minhas falhas

e as fraquezas da minha natureza ferida…

Por isso, ó Deus, escuta a voz da minha súplica,

tem compaixão de mim e atende-me:

quero ser forte e confiar em Ti, Senhor.

Tu sabes que também nos momentos difíceis

eu tento procurar a Tua face, meu Deus:

não escondas de mim o Teu rosto…

Eu espero – logo de passar esse túnel da morte

vir a contemplar a Tua Bondade, Senhor,

precisamente na Terra dos Vivos.

        [ do Salmo Responsorial / Sl 26 (27) ]