29c- «Bem-aventuranças» - frente e verso!

 (Ciclo C – Domingo 6 do T. Comum…) 

«BEM-AVENTURANÇAS» – FRENTE e VERSO!

Luzes e escuros, dores e prazeres, tristezas e alegrias …  Sim, antes ou depois, todos nós passamos por essas sendas ou atalhos; e ninguém pode escolher e decidir ficar com ‘uma só’ dessas ‘duas’ realidades “contrapostas”…

Será que já pensamos, a sério, que a realidade humana e a sociedade subsequente foram criadas e estão constituídas, na sua essência, de um modo que não é aquele que, por ventura, nós gostaríamos que tivesse sido? A mais elementar experiência da nossa vida está a demonstrar-nos, no dia a dia, que essas realidades ‘contrapostas’ vão aparecendo em alternância, quando não em simultâneo (!?)… Claro que alguns podem pensar e pretender escolher, logo à partida, a satisfação e alegria (com ausência de toda a tristeza, dor ou inquietações…) mas isto não é possível. Por isso, há também os que tentam fugir de tudo o que incomoda ou causa sofrimento para se refugiarem só nos prazeres e gozos desta vida… A mesma realidade lhes mostrará que tal não é viável! Aliás, é impossível!

Bom, mas tentemos encontrar, à luz da Palavra de hoje, um sentido para esta questão.

Jesus, no Evangelho – com a radicalidade e verdade que Lhe caracteriza – ao traçar-nos o «programa de vida das Bem-aventuranças», pretende esclarecer esta realidade da nossa vida, onde hão de “conviver” as ‘alegrias’ e as ‘dores’. Afinal, trata-se do mistério da existência do «Mal», que não se pode suprimir ainda que não acabemos de o aceitar!

O outro evangelista que também recolhe as bem-aventuranças (Mateus) apresenta as oito mais conhecidas, enquanto Lucas, neste Evangelho de hoje, regista apenas quatro. Este, porém, acrescenta também, por contraposição, outras quatro ‘imprecações’ ou ‘ais’ (ai dos “ricos”… ai dos “saciados”… ai dos que “rides”… ai dos “elogiados”…). Ou seja, estes são os que «agora» escolheram ficar com os prazeres e gostos da vida (“rides”)… E, por isso, «depois» terão de sofrer e penar (“ais”), para ‘compensar’ as dores e desgostos de que fugiram ou, então, limpar e purgar o que está sujo ou estragado…

Por seu lado, as quatro “bem-aventuranças” (de igual modo que as oito de Mateus) contrapõem, em cada uma delas, as duas faces da medalha. Isto é, o «agora» e o «depois», embora numa ‘sucessão temporal’ inversa à dos “ais”. “Felizes os que «agora» sois pobres… sois famintos… chorais… sois odiados…; porque «depois» (e por vezes, desde já) tereis o Reino… sereis saciados… haveis de rir… será grande a vossa recompensa”. (Lc 6 / 3ª L.).

Fica portanto esclarecido que, numa determinada ordem ou na inversa, é necessário passar por ambas as experiências!… Será questão só de escolher a ordem?… E se essa ordem já nos vem imposta?… Cada qual terá de pensar e decidir, em cada caso!

Para nos ajudar nesta importante reflexão e para que a decisão seja acertada, temos também a Palavra – agora na primeira leitura, do profeta Jeremias – com essas ‘comparações’ magistrais. “Quem põe na carne toda a sua esperança, afastando o seu coração do Senhor, será como o cardo na estepe, que nem percebe quando chega a felicidade: habitará na aridez do deserto, terra salobre, onde ninguém habita”. Portanto, aquele que não se importar de ser – ‘depois’ – “cardo na estepe…”, então que escolha – ‘agora’ – “confiar só na carne…”. Mas a profecia divina continua: “Quem confia no Senhor e põe no Senhor a sua esperança. É como a árvore plantada à beira da água, que estende as suas raízes para a corrente: nada tem a temer quando vem o calor… e não deixa de produzir os seus frutos»”. (Jr 17 / 1ª L.). Ou seja, quem optar por “confiar e esperar no Senhor” por cima de tudo, embora tenha de sofrer “calores intensos… e anos de estiagem”, os seus frutos estão sempre garantidos!

Porém, tudo isto não é, logo à partida, uma questão apenas e só de “esperança” ou de “confiança”; mas é preciso querer aceitar em nós o dom da fé, que nos ajudará a adotar e assumir tudo aquilo que – por ser superior à nossa mente – apresenta-se-nos como “mistério” de Deus, incompreensível. O dar o passo da há de ser o primeiro ‘movimento’.

Verdadeiramente, para um cristão – porque batizado em Cristo Jesus – nada do que estamos a refletir teria sentido ou seria possível se não acreditarmos previamente que Cristo está vivo, embora tivesse morrido para esta vida mortal, como acontecerá connosco. Paulo escreve aos cristãos de Corinto, porque alguns deles diziam que “se os mortos não ressuscitam também Cristo não ressuscitou”. E diz-lhes: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados… Se é só para a vida presente que temos posta em Cristo a nossa esperança, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas não. Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram”. (1Cor 15 / 2ª L.).

Então, a sincera, aceite com simplicidade – porque a razão não chega! – é o primeiro passo no «caminho das Bem-aventuranças», quer no «reverso» quer no «anverso»!

 

É verdade, Senhor, que são e serão Felizes

os que adotam o Teu ‘estilo das Bem-aventuranças’,

e preferem pôr em Ti a sua confiança

É verdade que terão de abraçar e carregar “cruzes”

de dores, de lágrimas, de renúncias, de perseguições…

mas serão Felizes se têm a sua esperança em Ti.

Sim, Feliz o homem que não segue o caminho do ímpio

nem se perde em atalhos de pecado

senão que se compraz na Tua lei de Amor

para dar frutos a seu tempo,

como árvore plantada à beira das águas.

Ai daqueles que preferem o gozo dos prazeres…

Ai dos que usam e abusam dos seus semelhantes

para conseguir fama, prazer ou poder a todo o custo,

porque serão como a palha que o vento leva

pelo caminho espaçoso da perdição

Mas nós, Senhor e Pai nosso

– causa e centro da nossa Felicidade –

não cessaremos de proclamar aos quatro ventos:

«Feliz quem põe a sua esperança no Senhor Deus!».

[ do Salmo Responsorial / 1 e 39 (40) ]