(Ciclo C – Domingo 6 – de Ramos na Paixão)

«PAIXÃO» PELA «MISERICÓRDIA»

Deveríamos lembrar sempre qual é “o verdadeiro significado da palavra «paixão»”, que não é precisamente o que se lhe atribui à primeira vista…  Na realidade, quando dizemos, por exemplo, «estou “apaixonado” por…» ou «sinto uma grande “paixão” por…», estaríamos a querer dizer: «desde o fundo do meu coração, estou a “sofrer” por…». [Não esqueçamos a raiz etimológica da palavra “paixão” = “padecer”; isto é, “vivo interesse ou ardente admiração por…”; ou «sentimento de forte emoção ou de intensa excitação perante…»(do Dicionário); de tal modo que chega a produzir… “sofrimento”]. Só tendo “in mente” estes diversos sentidos do termo “paixão”, é que podemos entender o significado do nosso ‘epígrafe’ A «PAIXÃO» PELA «MISERICÓRDIA». Mas, evidentemente, averdadeira “paixão”! [O Papa reflete isso no Jubileu].

Desta vez, e por motivos óbvios, deixaremos falar – quase exclusivamente – a Palavra do Evangelho de hoje, [no Relato da Paixão de Jesus, em São Lucas (Lc 22-23 / 3ª L.)]. E devemos saber, antes de mais, que Lucas é conhecido como «o Evangelista da Misericórdia». Bem entendido que, neste “drama da Paixão”, os dois únicos protagonistas da Misericórdia são: o «Pai das Misericórdias» (Deus) e o «Rosto visível da Misericórdia» do Pai (Jesus) –lembram-se? –. Veremos como Lucas vai observando e destacando todos os gestos e palavras de Jesus que refletem um Perdão Misericordioso. Deixemos, então, que a Palavra fale:

Logo à partida, uma coisa fica diáfana e transparente: O Amor – comunhão íntima – entre Jesus e o Pai (Pai e Filho) é o segredo e a fonte da Misericórdia e do Perdão da Cruz! Ainda no início da Paixão, Jesus rezava assim: “«Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice. Todavia, não se faça minha vontade, mas a Tua»”. No clímax e auge desta Paixão, já Ele cravado e levantado na Cruz, dizia: “«Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem»E, no ápice da consumação total: “«Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito»”Em toda a Paixão, fica patente, entre Pai e Filho, o «Amor-comunhão», origem da Misericórdia.

Na Paixão, sob o sinal da Misericórdia e do Amor, Jesus – “Inocente sofredor” – compadece-se dos que sofrem, desculpa e perdoa todos: Na altura da captura de Jesus, no Horto das Oliveiras, um dos presentes feriu um servo do sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. “Mas Jesus interveio, dizendo: «Basta! Deixai-os». E, tocando na orelha do homem, curou-o”. A seguir, Jesus “ordena com autoridade”: “«Por isso, se é a Mim que buscais, deixai que estes vão embora». Assim se cumpriam as palavras que Ele tinha dito: «Daqueles que Me deste, não perdi nenhum»…”.  E logo, na Cruz, como já vimos: “«Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem». E quando um dos dois malfeitores crucificados com Ele, pede a Jesus para se lembrar dele no Seu reino, “Jesus responde-lhe: «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso»”. Até à própria inimizade que existia entre Pilatos e Herodes ficou transformada em amizade, à custa (!) da “desgraça e humilhação” (paixão) de Jesus: “Herodes e Pilatos, que eram inimigos, ficaram amigos nesse dia”.

E, desde logo, é bem verdade que a Paixão da Cruz é o «Sacramento da Misericórdia», sempre à luz do seu “cume e desfecho” final, que é a Ressurreição para a Vida Eterna. O próprio Jesus quis que isto ficasse bem assente e acordado quando, naquela última Ceia da véspera da sua Paixão, institui o Sacramento Eucarístico – «in memoriam!» –: “Tomou o pão e, dando graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: «Isto é o meu Corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». E no fim, “por separado” (para significar «a morte» que tem lugar quando, num ser humano, «o corpo fica ‘sem’ o sangue e este ‘sem’ o corpo») Jesus toma a taça de vinho e diz: “«Este cálice é a nova aliança no meu Sangue, derramado por vós»”

Mas hoje, meus amigos – mesmo correndo o risco de nos alongarmos demais – não podemos menos de concluir fazendo ligação com aquilo por onde tudo começou: Aquele “gesto revelador” da entrada triunfal (!?) de Jesus de Nazaré na capital, Jerusalém; claro que todos os gestos de Jesus são eloquentes e significativos… “salvadores”! Ficaremos então com este «sinal denunciador e salvífico». Estávamos já “no prólogo” da Sua Paixão: “…E quando estavam perto do monte das Oliveiras, enviou dois discípulos e disse-lhes: «Ide à povoação que está em frente e, ao entrardes nela, encontrareis um jumentinho preso, que ainda ninguém montou. Soltai-o e trazei-o…”  [da Leitura evangélica (Lc 19)/para a Procissão dos Ramos]. Vejam só a montada deste grande “Rei”: um “humilde jumentinho”, ainda que “intacto e puro”! E para que tudo ficasse mais esclarecido, naquele “gesto-conversa-discurso” da Última Ceia – imediata ao início da Paixão – ofereceu-nos a chave de tudo: “…O maior entre vós seja como o menor, e aquele que manda seja como quem serve. Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve”… [Lc 22-23 / Leitura da Paixão]. Então, neste caso, a Verdade é esta: Depois de Jesus ter descido até ao mais baixo possível… “até à morte e morte de Cruz… Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes…!” (Fl 2 / 2ª L.).

Cá está a nossa via que segue – se o assumirmos livremente! – oCaminho de Jesus, a senda do Amor Universal, que, passando pela Cruz, culmina sempre na Glória!

Quantas vezes, Jesus, nas encruzilhadas da vida,

sinto a tentação de “pedir explicações a Deus”

(utilizando a Tua oração de aflição e angústia,

na agonia da noite do horto de Getsémani):

«Pai, porque é que não afastas de mim este cálice?

Porém, não se faça a minha vontade, mas a Tua»!

Por isso, a minha oração vai hoje unida à Tua, Jesus,

através do Salmo que Tu quiseste utilizar

quando te achavas no clímax da Tua Paixão…

Sim, Jesus, nas minhas situações de cruz e paixão,

quando eu também não vejo nada claro,

quando tudo está escuro – como aquelas trevas

que envolveram tudo na Tua «hora de Noa»

será que, então, vou ter a coragem

de rezar e desabafar, como Tu e conTigo:

«Meu Deus, meu Deus, porque me abandonas?»…

Pode acontecer que «me rodeie um bando de malfeitores

como matilha de cães vadios»; que sinta, no meu espírito,

«mãos e pés trespassados»; ou que façam troça de mim:

«Confiou no Senhor, Ele que o livre do mal;

que o salve se de verdade é seu amigo»

Mesmo assim, eu continuarei a confiar em Ti

e «falar da Tua Misericórdia aos meus irmãos»!

Aprenderei, de Ti, Jesus, a Perdoar sempre e a todos,

vivendo, como Tu, em comunhão com o Pai,

esse Pai Clemente, Compassivo e Misericordioso,

que ‘vive, conTigo, a Sua Eterna Paixão pelo “homem”!’.

[ do Salmo Responsorial / 21 (22) ]