«ENTREGA O FILHO PARA SALVAR O SERVO»

O Amor, como tal, deve ser gratuito, ou então não será amor… «Só o Amor cria Amor» sem esperar mais nada em troca… Penso que, no fundo e teoricamente, todos estamos de acordo com este princípio, embora por achar-nos envolvidos e imersos em ambientes sociais de (falsos) amores interesseiros… a prática e vivência da vida vai noutras direções!

Já o autor do livro das Crónicas se lamenta, em nome de Deus, pelas infidelidades e egoísmos do povo. “Os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando os costumes abomináveis das nações pagãs… a tal ponto que deixou de haver remédio…”. E é evidente que quem se sente perdido e falhado sem remédio, e ainda por cima com a consciência de alguma culpabilidade pessoal, acha-se incapacitado para inverter a situação por si só: acaba por se sentir como fechado e preso num «círculo vicioso» de onde não se pode sair, porque não há quem possa quebrar essas correntes… Por isso, aqueles desgraçados, nossos antepassados, nem eram capazes de reagir aos apelos e insistências amorosas do Senhor: “Desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros, pois queria poupar o povo e a sua própria morada… Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus, desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas…” (2 Cr 36 / 1ª L.). Já naquela altura, sentíamo-nos todos perdidos!

Mesmo assim, já naqueles tempos primitivos, Deus – de Si e por Si mesmo – tomou a iniciativa de promover a salvação do povo (como se vê na segunda aparte dessa 1ª Leitura).

Não fosse o próprio Jesus, o Filho, que no-lo revela abertamente no evangelho de hoje, ninguém ousaria imaginá-lo: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”… (Jo 3 / 3ª L.). Está visto, aqui é tudo Amor (e, como tal, gratuito)!

Posteriormente, será Paulo, na sua carta aos cristãos de Éfeso, quem vai proclamar essa mesma Palavra de Jesus, com clareza luzidia: “Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou, a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida com Cristo – é pela graça que fostes salvos –”… E note-se essa expressão de gratuidade (“é pela graça que fostes salvos”), expressão que ele vai repetindo, de formas diversas, até ao fim desta 2ª Leitura: “Assim quis mostrar a abundante riqueza da sua graça e da sua bondade para connosco, em Jesus Cristo. De fato, é pela graça que fostes salvos… A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar…” (Ef 2 / 2ª L.). Não há dúvida: Tudo de graça! Ou, como também está escrito: “Tudo é Graça”!

Ainda bem que existe Alguém, Amor por essência (e gratuito por consequência), o nosso Deus-PAI – revelado em e por Jesus! – que é O Único capaz de “quebrar” aquele “círculo vicioso”, de que falámos, e todas as formas de “cadeias”… E o faz com o Seu «Perdão incondicional»!  Mas para não haver dúvida, vai ter lugar uma Redenção Admirável, que supera qualquer imaginação ou espectativa humana! Porque só este Deus-Pai é capaz de, «para resgatar os servos, entregar o Filho»! São os Mistérios de Paixão, Morte e Ressurreição que, mais uma vez, iremos reviver na próxima «Semana Santa».

Assim sendo, sempre é possível surgirem cânticos de libertação e de aleluia desde gargantas e vozes apagadas pela desesperança… É esta a “mensagem” que nos traz, mesmo na metade da Quaresma, este IV «Domingo de laetare», de Alegria, que aparece, de improviso, nesta nossa caminhada penitencial – talvez triste, angustiada ou desesperançada –. É o tema da “Alegria de todo o cristão”, aliás, de todo o homem de boa vontade, que o nosso Papa Francisco tenta viver e contagiar, como ponto forte e recorrente: uma atitude evangélica de transformação… (Aí está a sua Carta – exortação apostólica«Evangelho da Alegria»!)…

 

Nós, Senhor, nós sim queremos cantar

o nosso cântico de libertação e de aleluia,

mesmo na “terra estrangeira do nosso desterro”,

e no meio das securas poeirentas

deste difícil caminho quaresmal

Ainda que outros se riam de nós

e dos nossos sacrifícios penitenciais e digam

«Cantai-nos um cântico de Sião»,

longe de nós ficarmos envergonhados…

Sim, porque estamos alegres e satisfeitos,

com a alegria de sermos Teus filhos, ó Deus,

– irmãos de Jesus, nosso Amigo e Salvador –

pegamos nas nossas harpas silenciosas,

dependuradas nos salgueiros da Babilónia,

soltamos as nossas línguas presas na garganta,

secamos as nossas lágrimas antigas…

e entoamos o novo cântico de Sião e Jerusalém,

o hino dos redimidos e resgatados

pela Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo Jesus,

o Filho Amado, ó Pai, que Tu entregaste

para salvar os outros filhos desgraçados…

E nós, que somos esses servos inúteis,

mas eternamente gratos por esta Salvação,

cantaremos para sempre aleluias,

mesmo no meio das tristezas penitenciais

Nós fazemos da Tua Cidade de Sião,

ó Deus e Pai nosso, a maior das nossas Alegrias!

         [ do Salmo Responsorial / 136 (137) ]