39a- Delírios de grandeza - «Paranoia»

 (Ciclo A – Domingo 16 -Tempo Com.) 

DELÍRIOS DE GRANDEZA – «PARANOIA»

Mais uma vez, a Palavra de hoje “põe-nos o dedo na ferida”. Vemo-lo já na primeira leitura, do Livro da Sabedoria.

Porém e antes de mais, uma breve introdução. Sabemos que este livro, do Antigo Testamento, tem, a partir já do seu título, um significado complexo e múltiplo. Sabedoria pode ser e é uma reflexão profunda acerca do sentido da vida, sempre à luz de Deus: ou seja, a “justiça” entendida como sincera reflexão. Sabedoria pode ser e é a tendência a conformar a vontade humana com a vontade de Deus: seria a “justiça” entendida como santificação e perfeição. Sabedoria é, ao mesmo tempo, como que uma “personificação” da própria Divindade, quer na Pessoa do Filho quer na Pessoa do Espírito. E, por extensão, também se considera como a “personificação figurada” de Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe… Porém, agora estamos em condições de entender melhor aquilo de “o dedo na chaga”.

Ora bem, Deus (a “Sabedoria Divina”) age assim: “Mostrais a vossa força aos que não acreditam na vossa omnipotência, e confundis a audácia daqueles que a conhecem”… (Sb 12 / 1ª L.). Ou seja, Deus “confundirá” aqueles que, conhecendo (ou intuindo) a Sua omnipotência, não querem acreditar nela, não a aceitam. Porque uma coisa é certa, o ser humano que se atreve a medir as suas forças com o poder de Deus, numa atitude altiva e arrogante, não tem nada a fazer! Encontrará sempre um Deus «por cima dele», maior do que ele, mais forte do que ele… mesmo que utilize todas as suas tecnologias e supertecnologias… (O “paranóico” – coitado! – esquece que ele não é “o autor” deste ilimitado e magnífico Universo. Ou é?).

Mas se, como é de razão, o ser humano aprende a situar-se no seu lugar certo, de humildade e simplicidade, definida como “andar em verdade” (que diria Teresa, “a de Jesus”), então também encontrará, «por baixo dele», o próprio Deus, que se manifestará assim, menor do que ele, mais frágil do que ele… Exatamente porque a Deus também ninguém O ganha em humildade, simplicidade e fragilidade! Ele é, antes de tudo, o Deus dos “pequeninos”. Portanto: Deus «por cima» e Deus «por baixo». Sim, porque o nosso Deus – lembram-se? – é aquele «DEUS PEQUENO e DEUS IMENSO». Como é grande e maravilhoso este Mistério!

Mistério que a Palavra tenta desvelar-nos hoje, como vemos aqui: “Mas Vós, que sois o Senhor da força, julgais com bondade e nos governais com muita indulgência”… precisamente “porque sempre podeis usar da força quando quiserdes. Agindo deste modo, ensinastes ao vosso povo que o justo deve ser humano, e aos vossos filhos destes a esperança feliz de que, após o pecado, dais lugar ao arrependimento”. (Sb 12 / 1ª L.). Na verdade, é surpreendente verificar que, ainda antes de que Jesus viesse para nos revelar o Mistério do Deus que é Pai bondoso e compassivo, já os autores –“inspirados”– ainda no AT, foram capazes de começar a descortiná-lo com aquela admirável intuição!   

Agora, de nós depende a eleição. Os que optarem por aquela primeira atitude (altiva e arrogante) só podem ter uma vida estéril, tal como “o joio, que será atado em molhos para queimar”, pois não serve, não presta. Esses (continua o Evangelho de hoje) “são os filhos do Maligno”, para os quais existe, nalguma parte, a tal “fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes”. Talvez um estado de purificação e reconversão terrível?!…

Mas para os outros, os que optam por se situarem no seu lugar “de verdade”, como seres humanos e filhos de Deus, esses têm a sorte do “bom trigo” – humilde e simples como o Bom Deus – destinado “aos celeiros” da Vida. Porque “os justos brilharão como o sol no reino do seu Pai. E quem tem ouvidos, oiça!” (Mt 13 / 3ª L.).

Estes são, igualmente, os frágeis e fracos, de que fala Paulo aos romanos, e que por isso, têm da sua parte “o Espírito Santo que vem em auxílio da nossa fraqueza, porque, não sabendo que pedir nas nossas orações, o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8 / 2ª L.)…

Se alguém já refletiu nesta Palavra, poderá ainda ter “delírios de grandeza”?

 

Senhor, criador – inventor – do Universo…

Tu és um Deus clemente e compassivo!

Quando é preciso seres alto – «ó Altíssimo!» –

ninguém ousará tentar superar-Te,

porque Tu és grande e operas maravilhas,

Tu és o único Deus, o Deus imenso!

Porém, e porque és, Senhor, bom e indulgente,

cheio de misericórdia para com todos

a começar pelos “simples e humildes”

que Te invocam com sinceridade de coração…

então, quando é preciso seres pequeno, ó Pai,

apareces sempre junto “deles”,

ao seu nível e até mais baixo, “aos seus pés”,

– como Deus pequeno, frágil e humilde –…

Então, Senhor, escuta a minha oração,

atende com bondade a voz da minha súplica…

É verdade, Senhor, todo o homem sincero reconhece

que és um Deus bondoso e compassivo,

paciente e cheio de misericórdia e fidelidade!

                  [ do Salmo Responsorial / 85 (86) ]