43b- Ainda que pareça perturbador

 (Ciclo B – Domingo 20 do T. Comum…) 

AINDA QUE PAREÇA «PERTURBADOR»!

Para começar, desta vez parece inevitável mergulharmos, mesmo ao de leve, no terreno filosófico. Requere-o o desafio que nos lança a Palavra de hoje. Então, a ciência que chamamos filosofia, já desde os autores mais antigos, distingue matéria e espírito (o tal “dualismo”). Assim, a mente (psique) do homem pertenceria ao “campo do espírito” enquanto o físico (soma) entraria no “campo da matéria”. Daqui derivam, igualmente, os termos “alma” e “corpo”. Ao mesmo tempo – e desde que o homem tem consciência de ser “inteligente” – sempre existiu uma dupla tendência e risco: ou pretender integrar ambas realidades formando “um todo” único; ou tentar separá-las totalmente e tratá-las como sendo “independentes”…

Para Jesus de Nazaré, herdeiro privilegiado daquela “Sabedoria” do Antigo Testamento, não há dúvida acerca destas duas dimensões do único e indivisível ser humano. Teremos ocasião de ver isto nitidamente no Evangelho de hoje. Mas antes, a tal “Sabedoria” que aparece nas antigas Escrituras Sagradas – já “personificada” – liga esta ciência do “Verdadeiro Saber” com os manjares materiais de um banquete preparado por ela: “A Sabedoria… abateu os seus animais, preparou o vinho e pôs a mesa. Enviou as suas servas a proclamar nos pontos mais altos da cidade: «Quem é inexperiente venha por aqui». E aos insensatos ela diz: «Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei”. (Pr 9 / 1ª L.). Assim, à primeira vista, parece muito estranho que um “bem espiritual” (a “sabedoria”) seja adquirido através de “alimentos materiais”… E como já sabemos – lembram-se? – toda a gente procura sempre um alimento (“elixir”?) capaz de transmitir a (eterna) transcendência.

Mas Jesus, como já adiantávamos, conhece muito bem “a condição do homem”, quer dizer, o que é “a sua essência”, até pela experiência própria na Sua natureza humana. E começa por deixar bem assente e claro que o mais importante e essencial a que o ser humano pode aspirar, isto é, uma Vida eterna, terá de ser atingido “comendo e assimilando a Sua própria carne”. Podemos continuar a pensar que isto é impossível ou inaceitável, mas, se fosse assim, Ele teria dito outra coisa, ou de outro modo, ou por outras palavras … Porém, as palavras são estas: “E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo»… E Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”…(!?). (Jo 6).

Mas, para aqueles que estiverem tentados de considerar apenas a dimensão espiritual do homem como privilegiada, relegando e desprezando o corpo – “a carne” – Jesus vai insistir, uma e outra vez com toda a clareza, na importância de comer precisamente a sua carne e beber o seu sangue. Mas isto é mesmo assim, ainda que pareça não caber na nossa inteligência ou nos pareça perturbador, tal como aconteceu àqueles ouvintes que escutavam esta linguagem pela primeira vez: “Os judeus discutiam entre si: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?»” (Jo 6).

Pois para não ficar qualquer género de dúvida, Jesus persiste e vai repetindo, com expressões diversas: “…Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna… A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida… Também aquele que Me come viverá por Mim”… Até concluir: “Quem comer deste pão viverá eternamente»”. (Jo 6 / 3ª L.). Não valem, portanto, para Jesus – e portanto para nós! – os “espiritualismos”… nem tão-pouco os “materialismos”! Aprendamos, então, a conjugar matéria e espírito, através do melhor dos meios, que foi “inventado” por Jesus: o “ALIMENTO EUCARÍSTICO”!

 

Só quem tem a Tua “Sabedoria”, Senhor,

pode “saborear”, verdadeiramente,

tudo aquilo que tem valor para o homem…

E só assim chegaremos a compreender

o convite que nos faz o salmista,

«Saboreai e vede como o Senhor é bom!»…

Por isso, tomamos como mestra e amiga

a própria Sabedoria, que nos chama e convida:

Vinde, filhos, escutai-me com atenção,

vou ensinar-vos o “temor do Senhor”…

Sabemos que isso significa viver de Amor,

sempre livres de todo o medo ou temor servil!

Mas Tu, Jesus, traças-nos “o caminho melhor”

quando nos dás a Tua própria carne e sangue

para nós “saborearmos”, ingerirmos e assimilarmos,

passando assim a transformar-nos em Ti.

Achamos, porém, que isto não será assim tão fácil,

porque “comer a tua carne”, coerentemente,

supõe «assimilar a Tua Pessoa» para todos os efeitos…

E exige também “formar uma só carne”

– sermos verdadeiramente solidários

com todos os homens, nossos irmãos!!!…

[ do Salmo Responsorial / 33 (34) ]