45b- Os lábios e o coração

(Ciclo B – Domingo 22 do T. Comum…) 

OS “LÁBIOS” E O “CORAÇÃO”

«Quem dera – dizia alguém – podermos viver, caminhar, expor-nos… sem roupagens nem acrescentos, tal e qual “como viemos ao mundo”!». É como se quisesse dizer: Que bom seria podermos ser, em tudo, e não apenas no físico, pessoas genuínas, verdadeiras, transparentes! Mas para isso, claro está, seria preciso termos conservado e preservado a “inocência original”, aquela pureza primigénia com que o Criador “nos sonhou” e aquela transparente limpidez com que saímos das Suas mãos fecundas… Mas tal não aconteceu, e como o plano de Deus foi truncado (?) e as coisas viraram para torto, foi necessário (?) arranjar coberturas, acréscimos, “postiços”… desde as famosas “folhas de figueira” (Gn 3, 7), passando pelas “tangas”… até chegar às últimas sofisticações e requintes de Zara & Cia, por exemplo. E agora ninguém estranha que a metade da humanidade vá atrás da última moda nas “passarelas” e a outra metade (masculina) siga “colada” à primeira (!?)…

Não deixa de ser significativo que, na alvorada de uma humanidade já consciente, falasse o Senhor Deus ao povo, por Moisés, deste modo: “Não acrescentareis nada ao que vos está ordenado, nem suprimireis coisa alguma, mas guardareis as minhas leis… porque elas serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos de todos os povos…” (Dt 4 / 1ª L.). Na verdade, Aquele que tinha criado a natureza humana conhecia bem a sua tendência a acrescentar e multiplicar preceitos e normas para encobrir, esconder, mascarar, a Verdade pura e simples…

Mas vamos lá ver se nos entendemos! Não é mau cobrirmos as “vergonhas” (como se costuma dizer) uma vez que existe em nós essa malícia… transmitida pela astúcia (serpentiforme) do Maligno. Bom seria – isso sim – que o mal e o pecado não nos tivessem contaminado; porém, as coisas agora são como são, e a nossa luta, sobre esta terra, tem de ser processada contra os “inimigos invisíveis” que nos rodeiam, ou nos penetram, e com as armas de que dispomos. Só neste sentido poderão ser interpretadas expressões como estas (da Palavra de hoje / Mc 7): “o que está fora do homem… o que entra no homem… o que sai do homem… o interior do homem… lavar as mãos… limpar os copos…”. Porque, certamente, “o que faz puro ou impuro o homem não é o que vem de fora mas o que sai de dentro, do seu interior” (Mc 7 / 3ª L.); e portanto não vale a pena tentarmos tapar, ocultar, disfarçar!

O perigo reside, então, em apostarmos nas “roupagens externas” também a nível do espírito, tal como o fazemos – por necessidade – a respeito do corpo. Este é que é o fulcro e o cerne da questão, para não nos deixarmos levar pelos “disfarces” na alma como acontece com os do corpo. E continuamente corremos o risco de – no meio desta “luta” – darmos supremacia a “o material” sobre “o espiritual”, quando deveria ser exatamente o contrário. E sabemos – lembram-se? – que a aposta no que é material leva-nos à própria destruição e perdição. Jesus – O de Nazaré – avisa-nos hoje acerca disto com uma radicalidade e clareza meridianas, no seu Evangelho, falando àquele “grupo de fariseus e alguns escribas: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’»…” (Mc 7 / 3ª L.).

Por seu lado, a linguagem do apóstolo Tiago, na sua carta, é esta: “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descem do Pai das luzes… e foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade… Para não nos enganarmos a nós mesmos, nunca devemos esquecer que a religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste… afinal, na caridade, no amor”. (Tg 1 / 2ª L.). Portanto, se os nossos “lábios” não concordam com o nosso “coração”, então, a vida que “suportamos”, cá na terra, é fingida e, como tal, poderá acabar num lamentável “sem-sentido”!

Eu quero hoje perguntar com o salmista:

quem habitará, Senhor, na tua casa?,

para poder escutar, no silêncio, a Tua resposta:

O que vive sem mancha e pratica a justiça,

o que diz a verdade que tem no coração…

Porque viver sem mancha e praticando a justiça

é o mesmo que estar livre de falsidade e disfarces…

E dizer a verdade que se tem no coração

equivale a uma pura e total concordância entre

o que “dizem os lábios” e o que “ama o coração”;

pois Tu, Jesus, tinhas dito para todos:

“É do que enche o coração que deve falar a boca”

Vou aprender a ser daqueles, Teus amigos, que

– mesmo em prejuízo próprio – nunca faltam à verdade…

e defendem o inocente (seja ele pobre ou não)

por cima de qualquer interesse pessoal…

[ do Salmo Responsorial / 14 (15) ]