50b- Já não sois dois, mas um só.

 (Ciclo B – Domingo 27 do T. Comum…) 

«JÁ NÃO SÃO DOIS, MAS UM SÓ!»

Muita gente ouviu falar das «Mil e uma noites» e sabem que se trata de «uma série de histórias e contos em cadeia, narrados por Xerazade, esposa do rei persa, Xariar». Porém, acontece que, geralmente, a gente não cai na conta de onde está a origem, o porquê e o como do início desta história. Pois o motivo – conta o prólogo da própria obra – esteve na constatação de uma “infidelidade” matrimonial e, ao mesmo tempo, na procura de uma nova “fidelidade” conjugal. A lenda diz que o rei persa Xariar – logo de ter descoberto a infidelidade da sua primeira esposa – prometeu matar todas as suas esposas futuras, logo após a primeira noite, para evitar a sua possível infidelidade posterior. Acontece que uma dessas futuras “desposadas” encontrou a maneira de assegurar a “fidelidade” – desta vez da parte do esposo rei – começando por contar “histórias” e “contos” que sempre ficavam inacabados no fim de cada noite, de modo que assim «ficou presa a curiosidade do rei, noite após noite»… Bom, este preâmbulo vai servir para nos introduzir naquela “outra história” – tão antiga como importante na vida humana – e que lemos logo no início do livro do Génesis.

“Disse o Senhor Deus: «Não é bom que o homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele»… Após o homem ter posto nome a todos os animais… não encontrou uma auxiliar semelhante a ele… Então, da costela do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou: «Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem». Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne”. (Gn 2 / 1ª L.). Como é sabido, esta é a “origem bíblica e divina” do género humano, onde fica bem gravada a intenção do Criador: o objetivo é a constante e mútua fidelidade, a união definitiva no casal!

E vemos que, em Cristo Jesus – “chegada, n’Ele, a plenitude dos tempos” – esta fidelidade do casal humano, impressa já no início das Sagradas Escrituras, tem agora a sua perfeita confirmação. Assim, no Evangelho de hoje, depois de lembrar e citar, literalmente, aquela passagem bíblica, Jesus acrescenta, como querendo ratificar e concluir: “… Deste modo, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu». (Mc 10 / 3ª L.). Bem, chegados a este ponto, muita gente pode levantar esta questão: Pois, de facto, o que hoje se verifica, em grandes setores da nossa sociedade humana, é exatamente o contrário. É que, em muitos casos, é o homem ou a mulher, ou ambos, que se encarregam de “separar o que Deus uniu”. Tantas vezes, Senhor! E pior ainda, a consequência mais negativa destas “rupturas nos casais” é a impossibilidade de haver autênticas famílias, que são, aliás, as “células de toda a sociedade”.

Parece evidente que esta constatação pode desanimar a qualquer um, que conheça esta Verdade e queira apostar, sinceramente, na fidelidade no matrimónio (mesmo que seja apenas humano!). Pois apesar de reconhecer esta situação… há que afirmar, porém: ninguém se deixe vencer pelo desalento! Talvez devamos lamentar e sentirmos pena porque, afinal, nessas infidelidades e rupturas, a falha não está tanto no “objetivo” que se persegue – que é encontrar a felicidade – quanto no meio e nos modos (que, esses sim, estão errados!) de querer conseguir aquela felicidade pela satisfação imediata do prazer, evitando e fugindo de toda a renúncia e sacrifício que, naturalmente, exige a mútua entrega generosa. Por essa via não vem a Felicidade! E este é «o calcanhar de Aquiles» da relação matrimonial e, por extensão, de todas as relações humanas! Quer dizer, apostar na Felicidade requer apostar no Amor verdadeiro, isto é, na entrega generosa “de oblação” (e nunca de egoísmo)!

Nisto, Cristo Jesus deu-nos o exemplo a seguir (como lemos na Carta aos Hebreus): “…Era necessário que Jesus, pela graça de Deus, experimentasse a morte em proveito de todos… e que o Autor da Salvação chegasse à Glória perfeita pelo caminho do sofrimento”…(Hb 2 / 2ª L.). Sendo este o modelo “sacrificial” que devemos seguir, será assim como nós deveremos proceder! Mas… se, por azar e para a nossa desgraça, falharmos neste nosso amor de fidelidade, nunca há motivos para o desânimo ou o desespero. A verdade é que estamos sempre imersos “na misericórdia do Pai-Deus” e envolvidos pelo “Seu perdão incondicional”. O nosso Papa Francisco insiste, uma e outra vez, nesta Misericórdia e Perdão de Deus. (Lembremos o próximo Ano Jubilar da Misericórdia, proclamado por ele; bem como a convocatória do Sínodo acerca Família, base de toda a sociedade, e agora a primeira preocupação do Papa).

Mas, atenção, esta misericórdia infinita de Deus Pai não nos dispensa – antes pelo contrário! – de tentarmos ser sempre fiéis ao Amor, por todos os meios! A outra “atitude”(?) – por mais que, infelizmente, possa ser frequente nestes tempos – será sempre incoerente e inaceitável, além de vergonhosa, para quem assim agisse!…

 

Estas são as bênçãos prometidas, Senhor,

a quem procura ser fiel à Tua Lei de Amor,

a quem tente andar sempre pelos Teus caminhos:

o esforço e o trabalho das nossas mãos

vão assegurar a nossa subsistência;

veremos a satisfação das nossas famílias

e a prosperidade das nossas comunidades;

seremos felizes todos os dias da nossa vida,

numa sociedade melhor e mais justa…

E os esposos, ó Pai – no seio de cada família –

serão como uma videira fecunda no íntimo do seu lar,

onde os filhos serão como os ramos de oliveira,

em volta da mesa familiar… até verem

os filhos dos seus filhos… Paz a Israel!

[ do Salmo Responsorial / 127 (128) ]