55b-A «almotolia» e o «quadrante»

 

 (Ciclo B – Domingo 32 do T. Comum…) 

A «ALMOTOLIA» E O «QUADRANTE»

Era uma vez uma pobre viúva… e era uma vez, uma outra viúva pobre… A vida da primeira viúva, numa determinada altura, cruzou-se com o profeta Elias… A segunda viúva, com o Profeta Jesus de Nazaré. Sabemos igualmente que, para a Palavra do Antigo Testamento, os «órfãos e viúvas», especialmente quando eram pobres, constituíam o “protótipo” e figura da fraqueza e fragilidade do ser humano…

E, se os humanos fracos e frágeis – «os pobres de Javé», “os desgraçados” de sempre, como veio confirmar Jesus! – são os preferidos de Deus, então não admira que estas duas histórias, de ambas as viúvas, destaquem e ressaltem por cima de tudo, na Palavra de hoje.

O que surpreende, em primeiro lugar, é a humildade e singeleza daquela mulher que diz ao profeta Elias, com toda a simplicidade: “«Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia…»”. Isso quer dizer que ela não vai poder ajudar o profeta mesmo que quisesse, até porque com ela está o filhinho, que necessita mais do que ninguém esse minguado alimento… Mas – e cá está o milagre da «almotolia» – está pelo meio o Senhor, o Deus Amigo dos pobres, para tornar tudo possível e tudo ficar resolvido… “A mulher foi e fez como Elias lhe mandara; e comeram ele, ela e seu filho. Desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou, nem se esvaziou a almotolia do azeite, como o Senhor prometera pela boca de Elias”. (1 Rs 17 / 1ª L.).

Mas temos igualmente, a história da outra viúva; aquela que, por uma feliz coincidência, “se cruzou” com o Profeta de Nazaré, no átrio do Templo, onde se encontrava «a arca do tesouro». “Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro, a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante”. Esmola tanto mais exígua quanto o que representa um “quadrante”, moeda romana de bronze (do menor valor em circulação na Palestina, equivalente a dois “leptos”, ou seja, uns dez minutos de trabalho). Novamente a máxima pobreza, desta vez ligada a uma imensa generosidade! E outra vez o coração de Deus a deixar-se comover – na pessoa do Seu Filho Jesus – pela humildade e abnegação dos mais pobres! Tanto, que Jesus chama a atenção dos discípulos para esse “pormenor” (que é “o máximo” para Ele!), de como pode haver tanta generosidade em tanta penúria! E disse aos ouvintes: “«Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver»”. (Mc 12 / 3ª L.).

Nestes dois episódios bíblicos, uma coisa fica bem clara e evidente: o Amor “preferente” do Pai Deus é para com todos aqueles que padecem necessidade, seja no corpo ou no espírito, ou em ambas coisas, que é o mais normal.

Quanto a nós, se julgarmos que não somos pobres a nível material, teremos de trabalhar primeiro nesta dimensão dos bens materiais, para que o “corpo” não domine a “alma” e a matéria não acabe por abafar o espírito. Porque esta perspetiva afastar-nos-ia de Deus e das Suas preferências amorosas, cujos destinatários sabemos agora quem são… Mas deveremos apostar, também e sobretudo, no cultivo da “pobreza do espírito” (da primeira Bem-aventurança), aquela que nos vai transformando, por dentro, nos “verdadeiros filhos de Deus”, que já só dependem d’Ele e de mais ninguém. E nisto, temos o exemplo de Jesus pobre (que nos aparece na Carta aos Hebreus), “Cristo Jesus, quem se manifestou, uma só vez”, na carne fraca, e “na aparência de pecado”, pois só por esse caminho e por esse “sacrifício de Si mesmo, oferecido uma só vez, podia produzir a salvação de todos os que quisessem pôr n’Ele a sua esperança”. (Hb 9 / 2ª L.).

Pois, ainda que haja muitos que tentam – o que é impossível – “servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro” (segundo o aviso de Jesus), nós preferimos ser dos «pobres de Javé», que têm postos os olhos no Pai Deus, suspensos só do Seu Amor.

 

Hoje trazemos à Tua presença, Senhor,

– para o Teu íntimo gozo e alegria –

«a lista» dos Teus preferidos, neste Salmo,

«o inventário» dos Teus “pequenos e pobres”:

os peregrinos, os órfãos, as viúvas;

os oprimidos, os famintos, os cativos;

os cegos, os abatidos, os perseguidos;

os emigrantes, os refugiados, os exilados…

Todos eles são os Teus prediletos, ó Pai,

os Teus «filhos muito amados»!

Porque és Tu quem ampara órfãos e viúvas;

Tu quem faz justiça aos oprimidos;

quem dá pão a quem tem fome, e libertas o cativo;

iluminas, Senhor, os olhos do cego;

levantas, da sua prostração, os abatidos;

proteges os refugiados e os peregrinos…

Tu, Senhor, que reinas eternamente,

que és Rei por todas as gerações!

[ do Salmo Responsorial / 145 (146) ]