45a- Stat crux...

 (Ciclo A – Domingo 22 -Tempo Com.) 

«STAT CRUX…» (ENIGMA? MISTÉRIO?)

Muitos (todos!?) se perguntam – nos perguntamos – porque é que, neste mundo, é necessário o sofrimento? Porque é que parece inevitável a existência da cruz nas nossas vidas? Porque é que, antes ou depois, há que passar por períodos de dor e de pesar? Para que é que…? Não será que alguma coisa está errada nesta “Criação” de que somos parte?… Até o Profeta Jeremias lança hoje esta lamentação: “Em todo o tempo sou objeto de escárnio, toda a gente se ri de mim; porque sempre que falo é para gritar e proclamar: «Violência e ruína!».” (Jr 20). Isto será – das mais variadas maneiras – uma constante na vida dos humanos… Tanto assim, que os nossos antepassados («latinos») chegaram a cunhar esta «sentença», tão antiga e atual quanto permanente: «Stat crux dum volvitur orbis» (“A cruz mantem-se firme, enquanto o mundo gira!”). Como para dar a entender que aquilo de “desgraça” e de “aflição” que toda a gente constata no decorrer do nosso tempo, já o foi, desde que o mundo gira, e haverá de permanecer necessariamente (!?).

Mas, atenção! Sempre que Jesus se refira à “cruz”, estará a falar de um meio, de um instrumento, e nunca de um fim. Isto último, aliás, é que seria absurdo e sem-sentido!

É bem evidente que existe outra verdade, ainda mais certa do que a primeira (também para todos!?): Desde o mais profundo do nosso ser mais íntimo, sentimos o anseio, a sede e fome, a necessidade de Felicidade-Amor – por vezes, é certo, disfarçada de prazer, hedonismo ou sensualismo… de tantas formas e variantes –. E esta Felicidade-Amor (ao mesmo tempo como gérmen e como ânsia) foi “concebida” por Deus Criador no mesmo instante da nossa existência, e inserida em todos nós como uma marca indelével. Todos procuram, por cima de tudo, serem Felizes!… E como é que estas duas realidades, cruz e felicidadecontrapostas pelo menos em aparência – podem ser entendidas e harmonizadas!? … Certamente será a Palavra de hoje que projete mais luz e sentido sobre este aparente “mistério” e nos dê uma “chave de interpretação”. Desde logo, e antes de mais nada, será necessário estarmos atentos à escuta da Palavra (com S. Paulo) “para sabermos discernir, segundo a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito”. (Rm 12 / 2ª L.).

O próprio Jesus começa por afirmar – referindo-se à sua Pessoa – a necessidade de percorrer este aparente contrassenso do caminho da dor e da cruz até à morte, que Ele deve “abraçar”. É mesmo necessário, embora Ele próprio, como homem, não é capaz de entender nem aceitar (dirá um dia: “se é possível, passe de mim este cálice!”). Mas está convencido e decidido, apesar de tudo, a seguir até ao fim. “Jesus começou a explicar aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas; que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia…”. Evidentemente, a reação de Pedro aqui é o reflexo da atitude de cada ser humano de todos os tempos: “«Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!»” (Mt 16)… Porém, ninguém pode livrar-se – safar-se – da cruz… Mas, afinal, quem é responsável desta “nossa infeliz condição”? Apenas e só a nossa Liberdade! Somente nós – cada um de nós – é que somos os “fautores”, e mais ninguém!

Jeremias, a quem já citamos anteriormente, parece começar a ver claro “este sentido”, e a descobrir “a chave” dos seus sofrimentos: “…A palavra do Senhor tornou-se para mim ocasião permanente de insultos e zombarias. Então eu disse: «Não voltarei a falar n’Ele, não falarei mais em seu nome»”. Muito bem; até aqui seria apenas reconhecer a cruz… Mas, a seguir, aceita-a como meio necessário para conseguir o fim – Felicidade-Amor – inscrito no centro do seu ser: “Mas havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus ossos. Procurava contê-lo, mas não podia”. E sabemos como ele fica rendido ante a evidência: “Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir; dominaste-me e venceste-me!”. (Jr 20 / 1ª L.).

Ou seja, a Palavra nos vai conduzindo a uma conclusão clara e firme: Não há outra maneira melhor de «demonstrarmos» Amor-Felicidade que através da cruz; nem há, portanto, outra via melhor para chegarmos à Felicidade-Amor do que o caminho dessa mesma cruz.

Pois tal como Jesus demonstrou ao Pai e aos homens o Amor-Felicidade através da Cruz, assim também, pela mesma cruz – e de nenhum outro modo! – teremos nós que demonstrar, ao Pai, a Jesus, aos homens… o Amor-Felicidade. “«Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la…”. (Mt 16 / 3ª L.).

Sim, Senhor, meu Pai, nosso Pai,

é verdade que a minha alma tem sede de Ti,

porque sempre foste e serás o meu Deus:

a Fonte do meu amor-felicidade!

Por isso, desde a aurora Te procuro,

como terra árida, sequiosa, sem água…

E enquanto caminhamos por estas vias,

tantas vezes fragosas, íngremes e penosas

– semeadas e regadas com o sangue da cruz

proclamamos que a Tua Amizade

(que afinal é sempre Amor-Felicidade!)

vale muito mais do que a vida…

Então, os nossos lábios Te louvarão:

exultaremos à sombra das Tuas asas,

e as nossas vozes de júbilo e de alegria

cantarão eternamente a Tua Glória!

                               [ do Salmo Responsorial / 62 (63) ]