46a- Quero lá saber!...

 (Ciclo A – Domingo 23 -Tempo Com.) 

«ONDE ESTÁ TEU IRMÃO?»

Também nestes tempos, que são os nossos, temos de viver “em alerta” para não nos deixarmos envolver e arrastar pelo pessimismo e negativismo. É que motivos há para cairmos nesta situação, visto que, no meio das inumeráveis maravilhas desta Criação – que são evidentes! – aparecem-nos também as coisas mais agressivas e hostis, realidades violentas e terríveis, capazes de provocar, em muita gente, um fenómeno de autodefesa que, fechando os indivíduos em si mesmos, produz pessoas egoístas, defensoras – antes de mais e por cima de tudo – do “seu castelo”, do “seu território pessoal”, bem marcado e circunscrito.

Num ambiente assim, onde – como se costuma dizer – domina “a lei do mais forte” ou “o código (genético?) da selva”, e onde por isso mesmo, consciente ou inconscientemente, tomamos como potencial inimigo qualquer um dos nossos semelhantes, seja ele próximo ou distante… num ambiente deste género, dizíamos, ressoa aos nossos ouvidos como coisa muito rara e estranha aquela “pergunta” do Criador, lançada a Caim nos alvores da humanidade: “Onde está o teu irmão?”. Pergunta divina que se deve entender, não apenas como interrogação, mas como uma ordem: «Terias de tomar conta dele!».

E a resposta de uma grande parte da nossa sociedade (e olhem que não estamos a ser pessimistas!) é parecida com a resposta do fratricida Caim: “Não sei dele. Sou eu, porventura, guarda do meu irmão?” (Gn 4, 9).

Pois apesar desta Palavra tão antiga, apesar de todo o que – ao chegar a plenitude dos tempos – Jesus veio revelar-nos acerca do Pai Deus e da Fraternidade universal… e apesar destes dois mil anos de «energia cristã»… apesar de tudo, a nossa resposta, teórica mas sobretudo prática, como integrantes desta nossa sociedade, e sentindo-nos solidários (?) com ela, pode ser esta: «Quero lá saber! O problema é seu!». Exatamente ao invés do que deve ser na verdade, porque «O problema de todo o irmão é também o problema meu». Porque somos – deveríamos ser! – guias, guardas, abrigos e aconchegos, e até “acompanhantes” (anjos da guarda?) de todo e qualquer irmão, uma vez que todos somos filhos do mesmo PAI Deus. É que, como nos avisa S. Paulo, “a única dívida que podemos e devemos ter para com o próximo é o amor de uns para com os outros, pois, quem ama o próximo, cumpre a lei”… (Rm 13).

Então, deixemos que a Palavra de hoje continue a iluminar-nos e, mais ainda, fortalecer-nos, neste caminho de fraternidade!

Porque, nessa mesma carta aos romanos, Paulo deixa as coisas bem assentes, na base do Amor: “De facto… todo o mandamento da lei resume-se nestas palavras: «Amarás ao próximo como a ti mesmo». A caridade não faz mal ao próximo. A caridade (o Amor) é o pleno cumprimento da lei”. (Rm 13 / 2ª L.).

Mas, claro, «o amor obriga»! E quem ama, está obrigado a procurar o bem do amado; a procurar-lhe o bem e evitar-lhe o mal! Ou então, não ama de verdade. Daqui deriva “a correção fraterna”, embora seja coisa que não resulta fácil. Sim, corrigir ao meu próximo pode ser difícil, mas tem que ser feito, e feito com amor. “Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão…” (Mt 18 / 3ª L.).

Palavras de Jesus, que são a confirmação “autorizada” daquele outro eco do A.T. (em Ezequiel): “Eis o que diz o Senhor: «Filho do homem… Quando ouvires a palavra da minha boca, deves avisá-los da minha parte… para os afastar do seu mau caminho… Se tu não falares ao ímpio para o afastar do seu mau caminho, o ímpio morrerá por causa da sua iniquidade, mas Eu pedir-te-ei contas da sua morte. Se tu, porém, avisares o ímpio (o mau), e ele não se converter, morrerá nos seus pecados, mas tu salvarás a tua vida»”. (Ez 33 / 1ª L.).

Portanto, nada de: «isso é lá com ele; o problema seu!». Teremos de dizer melhor, como aquele Cartaz a representar um jovem que leva, aos ombros, uma criança…: «FELIZ AQUELE QUE É CAPAZ DE CARREGAR… MAIS DO QUE O PESO DOS PRÓPRIOS PROBLEMAS!».

Afinal, meus amigos, tudo depende de algo tão simples como isto: que saibamos ser “recetores”, diante d’Aquele “emissor”, que pode transmitir, entregar… a única riqueza que importa: o Amor. E parece que “saber receber” também não é fácil. Mas porque somos apenas recetores, deveremos estar sempre de ouvidos atentos e coração aberto à Palavra de Deus: “Se hoje ouvires a Voz do Senhor, não endureçais os vossos corações” (Salmo Responsorial).

Por isso, Senhor e Pai nosso, estamos

na Tua presença em ação de graças,

sentindo-nos o Teu Povo

e ovelhas do Teu rebanho…

E agora precisamos estar – em sintonia –

bem atentos e dóceis à Tua Voz,

para recebermos a Tua Palavra

de coração aberto e sensível…

Que nunca endureçamos o coração,

como fizeram “aqueles nossos pais”,

que chegaram a provocar-Te no deserto

Também por isso, Senhor,

queremos agora interceder,

diante a Tua bondade e misericórdia,

por tantos outros, irmãos nossos,

que se deixam envolver e fechar pelo egoísmo,

e vivem cerrados à Tua Palavra

e, por isso, insensíveis aos seus próximos…

Dá-nos – a eles e a nós – ó Pai nosso,

um coração aberto, fraterno e generoso!

              [ do Salmo Responsorial / 94 (95) ]