50a- «A vinha do meu amigo»

 (Ciclo A – Domingo 27 -Tempo Com.) 

«A VINHA DO MEU AMIGO»

Mais outra “parábola” de Jesus… e mais uma alegoria dos antigos Profetas… A de Jesus, dirigida aos “príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo”, ou seja, a gente que se acha “importante” e que – talvez por isso – deveria, desde logo, ser mais responsável e dar exemplo de justiça e de verdade a todos… E a parábola alegórica dos antigos Profetas, que é ao mesmo tempo um “hino de amor à sua vinha”, ou um “cântico de amizade e de lamento” pela atitude e proceder dos “amigos do seu Amigo”. É maravilhoso o sentimento que exprime – neste caso o profeta Isaías em nome de Deus – através de uma “elegia” que reflete a mágoa do presente e lança um lamento (de esperança?) para o futuro:

“Vou cantar, em nome do meu amigo,

um cântico de amor à sua vinha.

O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina.

Lavrou-a e limpou-a das pedras,

plantou-a de cepas escolhidas.

No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar.

Esperava que viesse a dar uvas,

mas ela só produziu agraços…”.

O mais interessante da questão é que, nesta alegoria, “a vinha” somos todos nós e não apenas «o povo de Judá e Jerusalém», a quem vai endereçada inicialmente a censura do profeta. Acontece que todos nós somos especialistas em empurrar as questões agudas para os outros, mormente quando nos apercebemos de que a coisa vem de molde para o nosso caso…

Mas o que fica bem patente nesta estória é que o agricultor – “o Amigo” – é o próprio Deus que cultiva e trata sempre com amor e carinho o campo da sua vinha: “Sita numa fértil colina, foi lavrada e limpa das pedras, plantada de cepas escolhidas; e no meio dela, edificada uma torre e escavado um lagar”. Ora bom, dado que “ela só veio dar agraços”, azedos, em vez de “as uvas doces que se esperava”, o Amigo começa por se lamentar: “Que mais podia eu fazer pela minha vinha que não tivesse feito?”. E a seguir, não vê outra solução que abandonar a vinha, deixar que “fique devastada… o seu terreno deserto… que seja espezinhada… e que nela cresçam silvas e espinheiros”… (Is 5 / 1ª L.). Triste condição, a de quem não é capaz de corresponder, de livre vontade, à amizade, dedicação e entrega do seu Amigo!

Todavia, o amor e ternura deste Agricultor – o “Amigo” – não se ficam por aqui.

Vem agora o Filho do Agricultor, Jesus de Nazaré, para revelar melhor os excessos de um Amor ainda mais dedicado e profundo. E aqui – tal como no «cântico do profeta» – os agentes implicados somos todos, e não só os “principais sacerdotes” e o “senado do povo”. “Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Ouvi outra parábola: Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre…”. Como se nota que Jesus conhecia muito bem “os Profetas das Escrituras”!… Pois, partindo daquele “cântico profético” – para Ele incompleto – Jesus, que se sente o “filho herdeiro do Agricultor”, coloca entre «o Dono» e a «Sua vinha» o terceiro elemento que faltava: «os vinhateiros»: “… depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu”…

A partir daqui, tudo começa a ser diferente. A sorte da vinha vai depender, quer da sua própria atitude e proceder (como na parábola do profeta), quer do comportamento destes “vinhateiros” a respeito da vinha e a respeito do Agricultor e dos seus «enviados», entre os quais, o Seu Filho herdeiro… Pois é evidente que a entrega do Filho (Jesus) da parte do Dono (Deus) para salvar a vinha e os vinhateiros… era “impensável” na mente daqueles Profetas, pelo menos da maneira tão simples e radical como Jesus o apresenta. “Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo: ‘Respeitarão o meu filho’. Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no”… (Mt 21 / 3ª L.). As consequências e conclusões ficam para cada um de nós… quer nos consideremos como “vinha” ou como “enviados” ou na condição de “vinhateiros”… ou – porque não? – como as três coisas ao mesmo tempo!

Com a oração inspirada do salmista

– «a vinha do Senhor é a casa de Israel» –

agora nós queremos reconhecer isto:

Que a Tua “vinha”, Senhor, somos nós,

e também os Teus “enviados”, e os Teus “vinhateiros”.

Ainda que “esta vinha” – só pela nossa culpa –

tenha sido devastada pelo javali da selva

e servido de pasto aos animais do campo…

ainda que mereçamos ser abandonados

e entregues à mercê de ferozes inimigos…

Tu, divino Agricultor, protege sempre

a cepa que a Tua mão direita plantou,

o rebento que fortaleceu a Tua Amizade…

E nunca Te arrependas (entende-nos!) de nos ter dado

o Teu Amado Filho, entregue para salvar a todos…

Volta para nós os Teus olhos de perdão, ó Pai,

e nunca deixes de visitar «a Tua vinha»!

                       [ do Salmo Responsorial / 79 (80) ]