52a- Deus, Ciro, César... e nós

(Ciclo A – Domingo 29 -Tempo Com.) 

DEUS, CIRO, CÉSAR… E NÓS.

Ainda que em coisas fundamentais, realidades profundas ou situações radicais, seja preciso optar entre dois “opostos”, entre “forças” de sentido contrário (vida – morte; felicidade – desgraça; amor – ódio…), nas situações “ordinárias” da vida será preciso discernirmos, com cuidado e atenção, pois a decisão melhor poderá estar, não tanto na disjuntiva quanto na conjuntiva. Por outras palavras, nesses casos e para tomar a melhor opção, teremos de avaliar e avalizar as duas ou mais hipóteses, e assim encontrar a real hierarquia, na escolha sucessiva, uma vez que, em tais casos, não vai haver exclusão ou “renúncia”.

Ao escutamos – por exemplo – aquilo de «A César o que é de César e a Deus o que é de Deus!», podemos interpretá-lo como um “dilema” do género «ou o deus-Deus ou o deus-dinheiro!» (segundo aquela outra palavra de Jesus: “não podeis servir a dois senhores; não podeis servir a Deus e ao dinheiro”). Mas estes casos são diferentes; são outra história.

Vejamos. Quando Jesus fala de “César” e de “Deus”, bem como quando Isaías fala de “Ciro rei” e de “o Senhor Deus”, as coisas estão a ser entendidas e orientadas num outro sentido. No episódio a que o profeta se refere – no exílio de Babilónia – apresenta-se o rei Ciro como o eleito e ungido pelo próprio Deus e Senhor do Universo. “Assim fala o Senhor a Ciro, seu ungido, a quem tomou pela mão direita, para subjugar diante dele as nações…: «Por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito, Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso, quando ainda não Me conhecias…»”. Significa que, para realizar os acontecimentos que se esperam, tendo como objetivo a libertação do povo de Israel da sua escravidão na Mesopotâmia, o Senhor Deus vai utilizar, como instrumento privilegiado, o próprio “opressor”, «Ciro, rei dos persas», para ficar bem patente e claro que “Eu (Javé / YAHWEH) sou o Senhor e não há outro; fora de Mim não há Deus… Eu sou o Senhor e mais ninguém»”. (Is 45 / 1ª L.). Pode parecer um paradoxo, mas Deus – «o Único» – precisamente para demonstrar isto último, quer contar com as causas segundas, os meios que Ele julga mais adequados: neste caso precisamente aquele que todos tinham como «o único deus dos Medos e Persas».

Não se trata, portanto, de “desprezar”, “prescindir” ou “condenar”, aquilo que nos possa parecer “antagónico” de Deus. E vemos que isto fica ainda mais claro e evidente no episódio do Evangelho de hoje, quando Jesus responde àqueles “fariseus… e herodianos… que pretendiam surpreender Jesus no que dissesse”. A pergunta deles estava “planeada” como um dilema de contraposição. Eles pensavam: “ou César ou Deus”; com a certeza – na sua errada opinião – de que optar por qualquer uma dessas proposições significava o falhanço e consequente derrota do seu “adversário”. “«Mestre, sabemos que és sincero… Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?»…”. Mal podiam eles adivinhar (como é nosso caso tantas vezes!) que a resposta de Jesus consegue “conciliar” as duas partes em questão (“pagar” ou “não”) criando entre elas uma hierarquia perfeita: “«Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus»”. (Mt 22 / 3ª L.). Fica, assim, cada coisa no seu lugar próprio.

É que não podemos pretender agradar a Deus – numa espécie de angelismo espiritualista – sem ter os pés bem assentes no chão, assumindo as consequentes realidades terrenas como meios (“causas segundas”) que nos levam a Ele.

Também Paulo e os cristãos da Igreja de Tessalónica tinham bem assumida esta verdade do Evangelho de Jesus, quando ele e os seus colegas Silvano e Timóteo, escrevem na sua carta aos tessalonicenses: “Recordamos a atividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Deus, nosso Pai” (1 Ts 1 / 2ª L.). Está-se a ver que esses cristãos viviam – com atividade, esforço e firmeza – nada menos que cada uma das três virtudes teologais: a Fé, o Amor e a Esperança.

 

A Tua glória e poder, Senhor, são infinitos

e a Tua bondade e ternura são eternas:

por isso nós, desde a terra até aos céus,

queremos cantar um cântico novo…

Tu és o único Deus verdadeiro,

e todos os outros deuses dos gentios

– sejam eles “Césares” ou “Ciros”

ou “Donos e senhores deste mundo”… –

não passam de ídolos sem sentido

se não proclamarem as Tuas maravilhas

entre todas as famílias dos povos…

Nós sabemos que Tu, Senhor,

és o único Deus verdadeiro,

e que não há “outro deus” para nós;

e porque foste Tu quem fez os céus,

não permitas que nada nem ninguém

nos possa afastar do Teu Amor…

Mas todas as tuas criaturas nos levem a Ti,

para que, assim, “a nossa Fé seja ativa,

o nosso Amor esforçado e fecundo

e a nossa Esperança sempre firme”

E vós todos, dai ao Senhor a Glória do Seu Nome!

                        [ do Salmo Responsorial / 95 (96) ]