Young woman reading bible by stream in summer

(Ciclo B(b) – Imaculada Conceição – 08-dezembro)

SOMOS «PREDESTINADOS» NÓS TAMBÉM?

Ah, o mistério da “Predestinação”!

É evidente que – como tal mistério – não pode ter uma explicação (ou demonstração) humana. Cabe-nos apenas refletirmos acerca dele, de igual modo que em todos os outros mistérios de Deus… E esperamos conduzir a nossa reflexão em linha com o mistério desta festa, outro mistério: o da Conceição Imaculada daquela mulher que se chamou Maria.

Sabemos já, desde o relato da “culpa original” (mais um mistério!), que para se cumprirem os planos ou desígnios de Deus, era necessário que uma mulher fosse “predestinada” para ser concebida (“Conceição”) já sem aquela culpa original (“Imaculada”), culpa da qual mais nenhum ser humano se livra.

Qual o significado que têm, se não, estas palavras da 1ª leitura? “Disse então o Senhor Deus à serpente: «…Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Esta te esmagará a cabeça e tu a atingirás no calcanhar»”. (Gn 3 / 1ª L.). Vale a pena, antes, uma breve explicação acerca do sentido de alguns termos deste texto, que são apenas “figuras” de outras realidades: 1 – A “serpente” sabemos que é a personificação visível do Maligno, do espírito do Mal. 2 – O termo “mulher” (“entre ti e a mulher”) considera-se que tem um duplo significado; por um lado, refere-se à mulher-Eva mas também à mulher-Maria. 3 – Quanto às duas “descendências”, elas referem-se, quer à do Maligno (a “serpente”) quer à descendência da mulher. E aqui está a questão chave da nossa reflexão: uma vez que se trata, como vemos, de duas mulheres, devemos considerar “duas descendências” diferentes.

E reparemos que, entre a descendência da mulher-Eva – que é toda a estirpe humana – está, em primeiro lugar, a própria mulher-Maria. Mas em segundo lugar e como consequência, o mesmo Jesus, o Salvador, filho da Virgem Maria e Filho de Deus. (Como se está a ver, vamos de mistério em mistério!). Porém, o que aqui ficou claro – no meio destes mistérios – é a “predestinação” de mulher Maria, para ser a «Mãe de Deus» («Theotokos»).

Mas vem agora a nossa questão. E nós? Até que ponto nós, os humanos (que somos da “estirpe” dessas “duas mulheres”) poderemos ser também “predestinados”?

A nós, ser-nos-ia difícil, para não dizer impossível, respondermos afirmativamente a esta questão, se não fosse própria Palavra a responder por nós. Por exemplo, através das palavras, claras e radicais, do apóstolo Paulo, na sua Carta aos cristãos de Éfeso (2ª leitura): “Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, escolheu-nos n’Ele, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória…”. Não pode ser mais terminante e categórico. Mas, para rematar esta verdade, mais à frente conclui: “Em Cristo fomos constituídos herdeiros, por termos sido predestinados” (Ef 1 / 2ª L.). É interessante e lógico o raciocínio de Paulo: Somos “herdeiros em Cristo”, pelo facto de termos sido “predestinados, também em Cristo, para sermos Seus filhos adotivos”. No entanto, surge logo o problema da liberdade!

Sim, porque se pensarmos bem, descobrimos como é difícil conjugar a liberdade humana com o facto da predestinação… A nossa mente humana não compreende como é que podemos ser realmente livres se “já estamos predestinados” para determinado fim ou destino (pré-destinados). Mas, embora nos custe aceitar esta questão da predestinação ao nível da razão, devemos pensar que, afinal, Deus é omnipotente e livre para fazer o que entender. Para nós, o mistério da predestinação está precisamente neste ponto: Deus é capaz de respeitar sempre a nossa liberdade, ainda que tenhamos sido por Ele predestinados

Vemos o exemplo de Maria, a mulher que, como estamos a ver, foi perfeitamente predestinada para ser a Mãe de Cristo – homem e Deus – e, contudo, agiu sempre com plena liberdade consciente. Observemo-lo, se não, no Evangelho da Eucaristia de hoje; onde vemos “textos” que indicam a «predestinação» de Maria; e outros, onde as suas «opções livres» ficam a salvo. E que cada um pense nas consequências ou implicações… e tire as suas conclusões … Não é verdade que há uma total liberdade da parte de Maria nas decisões tomadas? Vejamos.

– Expressões como estas, “Ave, cheia de graça”… “O Senhor está contigo”… “Encontraste graça diante de Deus”… “Conceberás e darás à luz um Filho”… estão a significar que Maria estava «predestinada», para uma missão (“vocação”) específica.

– E expressões deste género, “Ficou perturbada e pensava que saudação seria aquela”… “E como será isto, se eu não conheço homem?”… “Eis a escrava do Senhor”… “Faça-se em mim segundo a tua palavra”… demonstram que Maria – apesar de “predestinada” – agiu sempre com plena e consciente «liberdade» pessoal. (Cf. Lc 1 / 3ª L.).

E se nós, os humanos, somos da mesma ‘descendência’ e estirpe de Maria, “a primeira predestinada”, porque é que nós não podemos ser também “predestinados”, seguindo o exemplo d’Ela, sem deixarmos de ser verdadeiramente livres, também à imitação d’Ela?

Pois não esqueçamos, como fica dito, que, afinal, Deus é omnipotente e livre para fazer o que entender! Embora, para nós, continue a ser incompreensível (dizíamos que é um mistério) o facto de estar “integradas” as duas coisas. Se cada uma delas já é um mistério, a conjunção das duas mais mistério é!

 

Com um cântico novo, diferente,

queremos cantar, Senhor, as tuas maravilhas…

As Tuas promessas são “predestinações”,

porque os Teus planos e desígnios

não podem deixar de se realizar.

Pois na Tua mão e no Teu santo braço

está sempre a vitória sobre todo o inimigo da verdade

e sobre tudo aquilo que parece impossível…

Predestinaste, ó Deus, para ser Tua Mãe,

aquela humilde mulher-Maria,

e Ela foi sempre consciente e livre

para aceitar e exercer a Tua vontade…

E Tu operas constantemente a maravilha

de criar liberdades humanas,

desde a origem predestinadas por Ti,

para realizarem uma missão e “vocação”,

que será sempre de Salvação…

Cada um de nós e todos, ó Pai nosso,

queremos ser conscientes e livres

para aceitar e cumprir sempre

os Teus planos e desígnios de Amor:

esses projetos “de predestinação”

que Tu “sonhaste”, desde sempre,

para cada um realizar “de livre vontade”…

E não cessaremos, por isso, de cantar-Te, Senhor,

pelas maravilhas que operas sempre!…

                [ do Salmo Responsorial  / Sl 97(98) ]